Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

“Vamos dançar bolero, cantar samba-canção”

Das páginas para a tela: a adaptação literária para roteiros de cinema e televisão foi o mote da mesa que reuniu na noite deste sábado Marçal Aquino, Maria Adelaide Amaral e George Moura no Salão de Ideias da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Veja a seguir os melhores momentos do bate-papo mediado pelo jornalista e editor Cassiano Elek Machado.


Leia, leia muito, leia como um danado

“Os melhores dramaturgos são os jornalistas e os poetas, porque dominam a arte da síntese, já dizia o grande crítico Sábato Magaldi”, enfatizou logo ao início de sua fala Maria Adelaide Amaral, roteirista afeiçoada à televisão e ao teatro. Uma das perguntas que a autora mais ouve do público é o que se deve fazer para tornar-se roteirista. “Minha resposta padrão é leia, leia muito, leia como um danado, leia tudo, leia o que há de bom e o que há de ruim. Vá muito ao cinema também, e da mesma forma assista de tudo”. Este foi o percurso que a própria escritora perseguiu: “Eu não seria quem eu sou se não tivesse lido os romances de mulherzinhas da minha geração e visto muito filme mexicano ruim. A baixa cultura é muito importante. Precisamos chegar perto do povo: por que ele gosta tanto disto? Vamos dançar bolero, cantar samba-canção: para escrever, você precisa ter de onde tirar, e precisa aprender a tirar de si mesmo, para depois poder tirar dos outros.”

Maria Adelaide Amaral é roteirista de novelas (experiência que resume a “fábrica de fazer louco”) e séries (pelas quais tem predileção) da TV Globo. Alguns de seus trabalhos que marcaram a história da teledramaturgia brasileira foram Os Maias, minissérie baseada no romance de Eça de Queiroz (“nunca fui tão fiel a um livro”) e A Casa das Sete Mulheres, adaptação da obra da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski (“nunca fui tão infiel a um livro; na história, Manuela teria morrido virgem aos 90 anos, mas na televisão se relacionou com Giuseppe Garibaldi e ainda fez o parto do filho dele com outra personagem histórica, Anita Garibaldi”).


A fidelidade fica bem no casamento; na adaptação, jamais

Marçal se define como um eterno contador de histórias. Assim o foi no início da carreira, quando vivia como repórter policial com farta agenda de contatos no “submundo” – “quando o crime ainda era romântico, antes das organizações criminais”, diz ele – e assim também se mantém na atualidade, na condição de ficcionista e adaptador de seus próprios livros para a linguagem audiovisual. “Virei adaptador por acaso. Eu nunca quis adaptar nada, porque adaptar é trair. Quem me fez mudar de ideia foi o cineasta Beto Brant”, conta Marçal. Sua fala suscitou a curiosidade dos colegas do debate: “Como é adaptar a si próprio?”, perguntaram, ao que ele rapidamente  respondeu: “Um processo de esquizofrenia, né? Você tem que apontar as qualidades e defeitos do seu próprio filho. Quando o diretor me procura e diz que quer me adaptar, pergunto como ele leu meu livro, porque faço a adaptação a favor da leitura dele”. Marçal resumiu sua opinião na seguinte frase: “A fidelidade fica bem no casamento, mas na adaptação jamais”.

Marçal Aquino é roteirista, poeta, autor de títulos infantojuvenis e romances adultos. Dentre estes últimos se destaca Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, levado aos cinemas por Beto Brant e Renato Ciasca. Marçal abdica da fidelidade às suas próprias histórias por adorar a linguagem visual – confessa, contudo, que este não é um caminho fácil. “Brinco que quando acaba o filme não sobem os créditos, sobem débitos!”


Me alugo para sonhar

“Sem dúvida, a formação do roteirista se dá da forma mais convencional: fazendo roteiros”, disse George Moura. O autor ancorou a sua participação no debate na leitura de um trecho do livro A linguagem secreta do cinema, do roteirista francês Jean-Claude Carrière. “O roteiro não é o último estágio de um percurso literário, é o primeiro estágio de um filme. (...) Um roteirista tem que ser muito mais cineasta que romancista”. Para explicar o modus operandi da profissão, Moura também parafraseou Gabriel García Márquez: “Me alugo para sonhar”, em remissão ao título do livro-aula do escritor colombiano.

George Moura escreveu diversas séries para a televisão brasileira, como Carga Pesada, Cidade dos Homens e, dentre as mais recentes, Amores Roubados e O Rebu. Leia, na sequência, o depoimento exclusivo que o roteirista concedeu à EOnline.
 

*


EOnline: O que o motivou a mudar seus planos de seguir carreira acadêmica para trabalhar em adaptações de textos para televisão e cinema?

George Moura: Acho que no fundo não resolvi mudar, foi a vida que me fez mudar. Eu já estava dando aula como professor convidado na Universidade Federal de Pernambuco, nas áreas de História de Teatro e Dramaturgia, quando uma amiga minha me convidou pra cobrir as férias de alguém na televisão. Aceitei o convite e fui conciliando a tarefa com a universidade. Após quatro dias de trabalho, fui chamado na sala da chefia. Logo pensei: “Ih, meu Deus, devo ter feito alguma besteira federal”. Na verdade, era um convite para ficar. Disse que não poderia continuar fazendo essa coisa de televisão, mas ela me acenou com um salário quatro vezes maior que o da universidade. Na época eu já tinha uma filha, então o resumo da ópera é que terminei de dar aula naquele semestre na universidade e comecei na televisão com jornalismo, porque sou jornalista de formação. E nunca mais saí.

EOnline: O que o seduz em uma obra, para fazer uma adaptação audiovisual dela?

G.M.: São várias camadas, mas talvez a camada central seja uma obra que fale sobre os desejos humanos, sobretudo os mais ancestrais: as paixões e os vazios que o ser humano possui. Tenho fascínio por tratar de temas como o amor, a morte e trafegar nestes pontos das mais diferentes formas.

EOnline: Qual adaptação lhe exigiu maior dedicação?

G.M.: A minissérie Amores Roubados, que foi ao ar em janeiro deste ano na TV Globo, baseada num livro do início do século XX. Basicamente por se tratar da transposição de um romance dos anos 1910 ou 1912 para o século XXI, um romance que se passa na capital de Pernambuco, no Recife, no litoral, e levar o leitor para o sertão, além das equivalências necessárias de transposições dos personagens nessas transformações. Foi necessário fazer um mergulho tão profundo que deu muito trabalho e exigiu muito tempo.

EOnline: Para você, como é o processo de adaptação de uma obra?

G.M.: A gente tem que mergulhar na obra, estudá-la, dissecá-la e saber dela mais do que do próprio autor. E depois a gente tem que esquecer. O Carneiro Vilela (autor de A Emparedada da Rua Nova, que virou Amores Roubados), já está morto, assim como Bráulio Pedroso, autor de O Rebu. Então não há diálogo possível com o escritor. Mas O Canto da Sereia, por exemplo, foi baseada num romance de Nelson Mota, e um dos maiores elogios que eu poderia receber veio dele, após a exibição da minissérie, ao dizer que a adaptação era melhor que o livro. Eu acho isto incrível, porque fomos fiéis e, ao mesmo tempo, os maiores traidores daquela obra, porque a dinâmica da narrativa para o cinema e para a televisão é muito distinta da dinâmica da literatura. Este é um exercício de memória e esquecimento, é necessário aprender a esquecer.
 

*
 

Assista ao vídeo do debate na íntegra:



 

:: Leia mais:

Histórias por trás das histórias conta um pouco da trajetória de alguns dos autores das Edições Sesc. Luiz Nadal, com suas pequenas epopeias, Cris Lisboa e Marília Pozzobom, com perfis jornalísticos, revelam os perfis dos escritores. Acompanhe!

Conheça também a série Protagonistas da Bienal, que apresenta o público, personagens essenciais para que esse grande evento aconteça.