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Gestão Cultural em debate
Entre fatos como a ampliação da perspectiva da cultura, realização de conferências, implementação de estratégias de longo prazo e a eclosão de inciativas culturais que não estão ligadas diretamente à ação do estado, o campo da gestão cultural está em plena expansão. Neste cenário, a primeira edição dos Diálogos Sesc em Circuito em Taubaté pretende trazer à tona questões ligadas à gestão e mediação cultural, reunindo agentes da região do Vale do Paraíba com especialistas em diferente áreas relacionadas ao tema.
A Eonline conversou com a antropóloga social e doutora especialista em Estudos Culturais Ilana Goldstein, uma das palestrantes da primeira edição do evento.
Segundo Ilana, vivemos um momento privilegiado, em que há espaço para a discussão, para a proposição de ações e para novos agentes. “Os gestores e produtores culturais têm papel fundamental e crescente na consolidação desse campo cultural efervescente, ainda que sua profissão não seja regulamentada”.
Na entrevista, ela também falou sobre as principais características necessárias ao gestor cultural. De acordo com Ilana, o bom profissional deve ter repertório, estar antenado e saber usar os conceitos. Escrever bem, pensar sobre problemas contemporâneos e compreender o que está acontecendo na sociedade brasileira e no mundo globalizado. Sim, é muita coisa, e ainda na fala da especialista “não existe um livro ou uma faculdade que reúna tudo isso. É um mosaico de saberes”.
Reunir algumas peças deste mosaico é o objetivo dos encontros Diálogos Sesc em Circuito, que também acontecem em outras unidades do Sesc. Em agosto, no Sesc Taubaté, além da palestra “Uma introdução à Gestão Cultural: do Conceito à Prática” (dia 28), ministrada por Ilana, Telma Olivieri que é coordenadora geral de gestão do Sistema Nacional de Cultura do Ministério da Cultura falará sobre políticas de Estado para a Cultura (dia 27).
As atividades são gratuitas e as inscrições antecipadas devem ser feitas na Central de Atendimento pessoalmente ou pelo telefone (12) 3634-4000.
o que: | Diálogos Sesc em Circuito |
quando: |
Dias 27 e 28/08 |
onde: |
Sesc Taubaté | Avenida Engenheiro Milton de Alvarenga Peixoto, 1264, Esplanada Santa Terezinha | 12 3634-4000 |
Para saber mais, leia na íntegra a entrevista com Ilana Goldstein:
Eonline: Aparentemente o segmento de gestão cultural está em expansão no Brasil. Temos acompanhado já há algum tempo o surgimento de inúmeras cooperativas, redes e coletivos culturais, na esteira do aumento do financiamento à cultura, tanto por parte do poder público, quanto da iniciativa privada. Como você avalia esse momento?
Ilana Goldstein: Acho que tivemos conquistas inegáveis entre 2003 e 2012, sobretudo por parte do Ministério da Cultura, como a organização das conferências municipais e estaduais de cultura e a própria ampliação do conceito de cultura, que passou a ser considerada em sua dimensão antropológica mais ampla - não mais vista apenas como sinônimo de belas-artes e erudição. Polêmicas à parte, nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira consolidamos a ideia de que o Estado deve buscar critérios e desenhar programas de forma estratégica, não só avalizar as leis de incentivo fiscal. Portanto, política cultural, no sentido pleno da expressão, é uma coisa nova no Brasil. Desde a criação do SPHAN, nos anos 1930, que depois virou IPHAN, ocorreram iniciativas pontuais. Não se pensava em políticas culturais enquanto conjunto articulado, pautado em conceitos e diretrizes, com preocupação de continuidade, considerando os direitos culturais dos cidadãos. Nesse sentido, acho que vivemos um momento privilegiado, em que há espaço para a discussão, para a proposição de ações e para novos agentes. Como você bem mencionou, de uns anos para cá temos assistido à criação de muitas entidades voltadas para as atividades culturais, principalmente dentro do terceiro setor. De fato, é preciso lembrar que políticas culturais não são construídas apenas a partir do Estado, mas também pelas organizações da sociedade civil, como os institutos e fundações empresariais ou grupos artísticos independentes. Os gestores e produtores culturais têm papel fundamental e crescente na consolidação desse campo cultural efervescente, ainda que sua profissão não seja regulamentada. Precisam se preparar para os desafios que têm à frente. Daí o aumento dos cursos de gestão cultural, em diversos formatos, bem como das publicações nessa área.
EOnline: Quais os principais obstáculos para que esse setor se consolide?
I.G.: Vou destacar aqui três dos principais. Em primeiro lugar, a falta de estabilidade para o profissional das artes, que lhe permitiria desenvolver projetos de longo prazo, com dedicação plena. O que acontece é o ator ir dar aulas de inglês ou o artista visual começar a trabalhar em uma empresa de design porque teve filhos. Isso é uma pena, porque se interrompem os processos de pesquisa. É preciso sorte, empreendedorismo e talento artístico para continuar. Na dança, por exemplo, dois exemplos dessa combinação são o Grupo Corpo, de Minas Gerais, e a Companhia Quasar, de Goiás. Talvez tivéssemos que lutar por bolsas para os criadores, como existem para os cientistas. E, ao mesmo tempo, incentivar atitudes empreendedoras e novos formatos. As novas tecnologias têm um papel importante nesse cenário, pois permitem novas formas de captação de recursos, como o crowdfunding, novas formas de criação e distribuição compartilhada - se bem que, por outro lado, suscitam dilemas em relação aos direitos autorais. Um segundo obstáculo, talvez ligado ao primeiro, é o fato de que as empresas patrocinadoras preferem apoiar um projeto com muita visibilidade do que um projeto com grande impacto. Um amigo que coordena a implantação de bibliotecas em espaços públicos comentou que ele não consegue patrocínio para a manutenção de bibliotecas já implantadas, mas consegue sem problemas para a inauguração de novas bibliotecas, que dá mais mídia. Um terceiro obstáculo é a instrumentalização da cultura, ou seja, a exigência explícita ou velada de que todo projeto artístico deve ter uma função social, uma contrapartida, um teor educativo, uma proposta de "inclusão". Sem dúvida, a arte e a cultura são poderosas na transformação da sociedade e na criação de vínculos. Mas isso não significa que a experimentação estética por si só não tenha seu valor e não precise de mecanismos de fomento.
EOnline: Em sua opinião, quais as principais características que um gestor cultural deve ter para atuar satisfatoriamente nesse ramo?
I.G.: Os profissionais da cultura precisam ser "híbridos" e devem circular entre a pesquisa, a teoria e o lado prático da produção cultural. Devem ter repertório, estar antenados e saber usar os conceitos. Saber escrever, saber pensar sobre os problemas contemporâneos, entender o que está acontecendo na sociedade brasileira e no mundo globalizado. Para isso, precisam estudar. Outro aspecto que vale observar em relação ao gestor é a especificidade da formação desse profissional. Ao contrário de muitas outras, ela não se dá, necessariamente, no começo da carreira. Isso faz com que as turmas em sala de aula sejam muito ricas, pois você encontra pessoas de várias idades, a maioria já com experiência, o que traz uma maturidade intelectual bacana aos cursos. Deparo com alunos que nunca colocaram um projeto na Lei Rouanet, mas também com pessoas que capitanearam iniciativas importantes e são meus colegas em outras faculdades. Além disso, a formação do gestor cultural não passa apenas pela educação formal. Nas aulas, o aluno pega referências de filmes, livros, dicas de eventos. Mas tem uma parte do trabalho que ele precisa fazer sozinho. Pode se colocar uma meta como, por exemplo, um número de espetáculos que verá no mês, um número de livros que vai ler por ano, os eventos de bienais e lançamentos que vai frequentar. Isso faz parte da formação. O que torna mais difícil, porém muito mais interessante a formação do gestor, é o caráter interdisciplinar. Isso porque a gestão cultural não é uma ciência, uma disciplina – e sim uma área de atuação que precisa de subsídios conceituais e ferramentas que vêm de diversos campos. Quando falamos em teoria da cultura, por exemplo, podemos buscar elementos da Sociologia, da Arte, da Antropologia, dos Estudos Culturais. É necessária também, uma noção de Direito, para falar de direitos autorais, de Economia para saber trabalhar com demanda e indicadores. Alguns conhecimentos em Administração para saber fazer um planejamento e uma avaliação de resultados. Não existe um livro ou uma faculdade que reúna tudo isso. É um mosaico de saberes. A formação é trabalhosa, mas também fascinante. Trabalhamos com uma quantidade de fontes de conhecimento inesgotável. A formação do gestor cultural nunca termina porque novas correntes artísticas, novos formatos, novas polêmicas e novas leis estão sempre surgindo.
EOnline: Podemos afirmar que falta mão de obra qualificada?
I.G.: Sim, existem deficiências na gestão de equipamentos e iniciativas culturais e, em parte, isso decorre de seus recursos humanos. O problema vem melhorando significativamente nos últimos anos, à medida que as opções de formação e a bibliografia específica crescem, mas, mesmo assim, muitas pessoas aprenderam na prática, na "marra", sem embasamento conceitual e repertório; a maioria das contratações é precária e informal; e ainda há muito de amadorismo e improvisação na atuação dos profissionais da cultura.