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Remixando Ideias
O que é escrever senão remixar ideias? Esta provocação é uma das que serão feitas durante a oficina Escrita Literária e Técnica Remix, que acontecerá no dia 23/8 no Sesc Taubaté.
A Eonline conversou com o jornalista e pesquisador de cultura digital Gilmar Renato Silva sobre o tema, que consiste basicamente em combinar diferentes textos para criar novos. Em oposição ao conceito estabelecido do autor como gênio individual, Gilmar defende o remix como essência das obras criativas e literárias desde sempre: “Os primeiros escritores simplesmente recontavam as histórias do povo. Transportavam a linguagem oral para a escrita e nesse processo, claro, influenciavam o texto com suas próprias ideias”.
Considerando o contexto de excesso de informação a que estamos expostos,, trabalhar com o sampler e o remix é uma forma de estruturar e canalizar estas informações, em um trabalho que não deixa de ser autoral: “Identificar, apontar, combinar e recomendar é tão criativo quanto fazer/produzir algo nunca escrito“, afirma o pesquisador. “Os melhores escritores são aqueles que sabem utilizar o excesso de informação a favor da sua criatividade”.
Leia na íntegra a entrevista:
Quais origens do uso das técnicas de remix na criação literária?
Gilmar Silva: O Remix está na essência, no "dna" de todas as obras criativas. No tocante a literatura desde os primórdios dela é assim. Os primeiros escritores simplesmente recontavam as histórias do povo. Transportavam a linguagem oral para a escrita e nesse processo, claro, influenciavam o texto com suas próprias ideias. Cervantes e Shakespeare, por exemplo, faziam isso: recontavam as histórias do povo.
Enquanto técnica, no entanto, podemos dizer que Conde de Lautreamont foi um precursor do plágio enquanto matéria prima para novas obras. Ele influenciou, por exemplo, o movimento dadaísta, surgido no inicio do séc XX, no qual Tristan Tzara é o grande representante em questões de técnicas de remix aplicadas à literatura. Tendo a poesia dadaísta como principal estandarte.
Daí até hoje tem muita história e invenções de diversas técnicas, das quais muitas são utilizadas na oficina.
Como você define a técnica da redação sampler?
G.S.: Basicamente, é combinar diferentes textos para criar novos.
Sendo um pouco mais analítico: a técnica do remix aplicada à escrita se pauta na ideia que identificar, apontar, combinar e recomendar é tão criativo quanto fazer/produzir algo nunca escrito. Os melhores escritores são aqueles que sabem utilizar o excesso de informação a favor da sua criatividade. E hoje existe muita informação disponível, saber lidar com tanta informação requer muita criatividade. Logo, quem trabalha com a escrita sampler não é aquele que não tem o que dizer, é aquele que tem coisas demais a dizer, que tem vozes demais falando dentro de si.
O artista e pesquisador Mark Amerika afirma que “o remix combina com o mundo contemporâneo e se define pela desconstrução do escritor como um gênio individual e pela compreensão da obra como colaboração”. Você concorda com esta afirmação? Tem alguma coisa a acrescentar nesta linha de reflexão?
G.S.: Pesquisadores como o Mark Amerika, Kenneth Goldsmith, Tan Lin e o Coletivo Wu Ming costumam levar essa ideia à última instância, a da cultura livre, das obras serem livres, pregando algo como uma pós-identidade do autor, sem ego, focada apenas na cultura colaborativa. Essa ideia é muito bonita, mas na sociedade capitalista que vivemos ainda está um pouco longe de ser alcançada.
Considerando isso eu concordo com a ideia de que o remix combina sim com o mundo de hoje, e muito, e que ele sempre foi regra, não exceção na literatura. Também concordo com a quebra do paradigma do escritor enquanto alguém genial, único, e que toda obra pode servir de matéria prima para outras obras e não tem como ser diferente. Mesmo a contragosto das editoras, porque a linguagem é movimento. E nada é 100% original na vida. Somos o esforço coletivo de todos aqueles que já conhecemos, e de tudo que vivemos, vimos, lemos. Obviamente, toda essa influência pessoal também se apresenta nas obras literárias de escritores, poetas, jornalistas, redatores, roteiristas, ou seja, todos que trabalham com textos. Não tem como ser diferente. Copiar, transformar e combinar é necessário para a evolução de tudo, inclusive da linguagem.
Dê alguns exemplos de trabalhos desenvolvidos usando esta técnica.
G.S.: É bom pontuar que não existe apenas uma técnica, as possibilidades do remix são diversas.
Existem várias técnicas como poema dadaísta puro; poema dadaísta com intervenção criativa; detournement; culture jamming; redação sampler; poesia sampler, cut up, folding, entre outras.
Alguns trabalhos interessantes que gostaria de citar são:
Detournement: A obra "A Sociedade do Espetáculo" de Guy Debord, nada mais é do que uma atualização para os novos tempos da obra "O Capital" de Karl Marx.
Cut up com intervenção criativa (ideias próprias): O trabalho do poeta brasileiro Leonardo Villa-Forte.
Cut up com intervenção criativa (ideias próprias): Na publicidade a agência brasileira Leo Burnett foi premiada com um leão de ouro este ano em Cannes com este trabalho.
Remix aleatório de frases do facebook: O poeta brasileiro Victor Heringer fez essa belezura com o app What would I say? -
Literatura Sampler ou reescrita criativa - Macunaíma de Mario de Andrade
Poesia Sampler + trabalho autoral - O poema clássico "The waste land" do poeta T. S. Eliot
Como se desenvolverá a criação na oficina?
G.S.: Após a primeira parte da oficina, na qual traço uma linha do tempo da literatura, que sempre foi remix, e da ideia do autor, mesmo os mais consagrados, enquanto sampleadores, os participantes são convidados a criar seus próprios textos utilizando diferentes técnicas.
o que: | Oficina: Escrita Literária e Técnica Remix |
quando: |
Dias 23/8, às 13h |
onde: |
Sesc Taubaté | Avenida Engenheiro Milton de Alvarenga Peixoto, 1264, Esplanada Santa Terezinha | 12 3634-4000 |