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É ou não é?!

Por Hugo Possolo

Logo no começo dos Parlapatões, no calçadão rua 24 de maio vivi uma experiência inesquecível. No início dos 90, estávamos ali apresentando nossas palhaçadas, um monte de gente assistindo, quando chegaram dois homens se dizendo fiscais da Prefeitura.

Entraram no meio da roda:

_ Não podem fazer apresentações aqui!

Eu, palhaço que sou e trajado como tal, resisti:

_ Estamos trabalhando para divertir essa gente! Eles é que vão decidir se devemos ou não continuar!

E, para garantir o apoio da plateia, mandei um “é ou não é?”. Aquelas quase duzentas pessoas se transformaram numa multidão gigantesca e poderosa, garantindo que tínhamos que ficar e terminar nossa apresentação. Os tais fiscais, um pouco impressionados com a reação, recuaram, mas marcaram posição:

_ Só não pode passar o chapéu! Por que aí estabelece que vocês são camelôs... E isso é que não pode mesmo!

Com remelexos e trejeitos cômicos acenamos que sim e seguimos até o final. Percebemos que os dois, assistindo, foram desarmando sua postura policialesca e passaram a se divertir também. Tanto, que arriscamos passar o chapéu. Um tentou impedir e o outro o segurou num gesto meio deixa-pra-lá. E mais, o fiscal mais tranquilo veio até nós e colocou uns trocados no chapéu, pedindo desculpas por estar cumprindo ordens. Isso! As ordens e o discurso da manutenção da ordem é que sempre fizeram a humanidade mais triste, insegura e já geraram guerras e muita violência.

Lembrei disso tudo quando, mês passado, antes de sua inauguração, visitei o Sesc 24 de Maio, onde pude imaginar o que pode vir a ser esse lugar no centro da cidade. Saindo de lá, fui matar a fome num bar ao lado puxei conversa com o dono do lugar e falei empolgado:

_ Com o novo Sesc aqui, acho que vai mudar o movimento!

_ Meu amigo, movimento eu tenho, o centro inteiro tem. Quero saber se estaremos mais seguros. Aqui na hora de fechar, quando o calçadão vai ficando vazio, é um horror.

Respirei fundo e fiquei pensando no que foi abrir o Espaço Parlapatões naquela Praça Roosevelt destruída, sem vida e violenta de doze anos atrás. Não contei àquele homem assustado o que vivi, mas resolvi escrever para dar um sentido mais amplo ao que senti com seu comentário.

Na Roosevelt tudo mudou muito e rapidamente, quando juntamos forças aos Satyros, que já estavam lá quando chegamos, mesclando como nós, o teatro e a convivência. Sim, não se tratava somente da arte em si, mas no que a convivência pode gerar no entorno. A ocupação de um lugar transforma muito a relação com a cidade. Especialmente quando as pessoas se apropriam daquilo que já é delas e de todos, quando defendem o espaço, cujo nome já diz tão claramente: público. 

Vale sempre perguntar ao paulistano um “é ou não é?” para que as coisas mudem o seu sentido. Adoro a avenida Paulista cheia de gente se divertindo num domingo e tenho esperança que os calçadões e praças deixem de ser somente um local de passagem para se tornarem local de convívio puro e simples. Me encho de esperança agora, com um Sesc grande e generoso, com uma área de convivência integrada ao calçadão, com rampas dando acesso a tudo, com esporte, arte, gastronomia e lazer para serem apropriados por aquele que lhe dá sentido, o cidadão.

Ah, sem nenhum rancor ou ironia, espero que aqueles fiscais – também cidadãos – apareçam para fazer atividades ali e, principalmente, para assistir às nossas palhaçadas parlapatônicas quando nos apresentarmos lá.

P.S. - Hoje, os bares e teatros da Roosevelt estão todos fechando a uma da manhã e a violência está, pouco a pouco, voltando à Praça. É preciso sensibilidade para mudar isso e não deixar o centro paulistano entregue à própria sorte.
 

Hugo Possolo é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo teatral Parlapatões.

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