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Guitarrista malabarista sacode o salão com sua música pra pular africana e universal

O guitarrista moçambicano Jimmy Dludlu. Fotos: Beatriz de Paula.
O guitarrista moçambicano Jimmy Dludlu. Fotos: Beatriz de Paula.

Por Antonio Carlos Miguel 

Ontem, no palco da Comedoria do Sesc Pompeia, foi noite para sacolejar o esqueleto e também admirar a fluência de um guitarrista virtuose. Influências do jazz e do r&b americanos estão presente em alguns momentos e detalhes, principalmente na sonoridade da guitarra de Jimmy Dludlu, que é usada com pouca distorção, num timbre que remete ao de George Benson. O paralelo como este é reforçado pelos vocalises casados aos solos que pontuam muitas das músicas apresentadas pelo artista moçambicano. Mas, a paleta de ritmos utilizados por Dludlu é bem mais variada, misturando funk e r&b a estilos caribenhos e, principalmente, africanos. Com essa receita e sempre jogando para a plateia, abusando um pouco da dose de exibicionismo, Jimmy Dludlu pode ser enquadrado na cota “festa" do Jazz na Fábrica. Ou seja, no mesmo escaninho da atração da última quinta-feira, o baixista e cantor norte-americano Stephen “Thundercat" Bruner, só que sua apresentação, de quase duas horas, é valorizada pela bem maior diversidade de estilos.

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Jimmy Dludlu e seu grupo. Foto: Beatriz de Paula

Cercado de uma muito bem azeitada banda - composta por Stélio Mondlane (bateria), Nelton Miranda (baixo), Nelson “Pimenta" Lifaniça (percussão), Thapelo Motshegwe (teclados) e Brandon Peter Ruiters (trompete), este último, também um solista fluente em muitos momentos, Jimmy Dludlu trouxe ao festival paulistano o show baseado em seu último disco, In the Groove. Gravado em Maputo, onde voltou a viver após passar três décadas radicado na vizinha África do Sul, seu repertório de 15 faixas espelha o mosaico de ritmos utilizados pelo guitarrista. Na vertente funk e r&b, à já comentada influência de George Benson pode ser acrescentada a de Michael Jackson, a quem ele homenageia em versão instrumental de “Don't Stop ‘till you Get Enough" (lançado no álbum Off the Wall, anterior e até melhor do que o recordista em vendas Thriller). Antes de enveredar por esse clássico, talvez se esquecendo que se apresentava num país de língua portuguesa, Dludlu pediu com frases em inglês mais interação dos espectadores que lotavam a Comedoria. Esse também foi um dos momentos em que ele desceu do palco e se misturou à plateia na pista.


Momentos do guitarrista no show e no camarim do Sesc Pompeia. Vídeo: Beatriz de Paula

A partir da metade de sua apresentação, Dludlu usou e abusou desses recursos extra-musicais, também exibindo as habilidades de um malabarista da guitarra, tocada nas costas ou enquanto rodava pela pista puxando um cordão de admiradores. Até o fim da noite, quase sem intervalos entre as músicas, uma emendada à outra, ele desceu e subiu do palco diversas vezes, reforçando o clima de bailão que sua fórmula carrega.

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Thapelo Motshegwe (teclados) e Jimmy Dludlu. Foto: Beatriz de Paula

Voltando ao roteiro do show, que não inclui letras, apenas vocalises, nos números de pegada mais africana também é possível perceber o quanto os ritmos vindos do continente negro pautaram a música produzida nas Américas que, em seguida, se espalharam pelo planeta. Alguns dos temas de Dludlu, podem lembrar do balanço de um Jorge Ben; outros remetem a gêneros como carimbó, lambada e guitarrada do Pará; enquanto nos números nos quais o tecladista Thapelo Motshegwe usa timbres que lembram o som de marimba a conexão é com as sonoridades caribenhas.

Conexões que vêm de longe e, graças a um detalhe no currículo do guitarrista moçambicano, permitem abrir um parênteses/parágrafo a um forte antecedente desse fluxo e refluxo de trocas culturais. Antes de iniciar sua carreira solo, Dludlu trabalhou algum tempo na banda da sul-africana Miriam Makeba, aquela que foi a primeira artista africana a emplacar um sucesso nas paradas pop do mundo, em meados dos anos 1960, com a canção “Pata Pata”. O que poucos souberam na época, muito popular também no Brasil, é que o arranjador desse clássico de balanço para levantar qualquer plateia foi ninguém menos do que o sanfoneiro e tecladista paraibano Sivuca, diretor musical do grupo de Miriam Makeba por alguns anos.

Parênteses feito, com sua esfuziante receita, Dludlu avança nessas fusões e reafirma a importância das matrizes africanas para a música popular mundial. Alegria sonora também fundamental para levantar o astral de um planeta em crise.

Antonio Carlos Miguel é jornalista e crítico musical, mantém uma coluna no site G1.

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Veja as fotos do show de Jimmy Dludlu no Jazz na Fábrica:

sescsp.org.br/jazznafabrica