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A magia do centro velho
Por Marcelo Rubens Paiva
Praça Ramos de Azevedo, Rua 24 de Maio, Avenida Ipiranga, Rua 7 de Abril. Nesse quadrilátero aconteceu o de mais importante na cultura brasileira: o encontro entre o novo e o velho mundo.
Em torno do Theatro Municipal, o biscoito fino da música, teatro, dança, artes plásticas e literatura brasileira saiu do forno e alimentou nossa antropofagia e sede de saber.
As grandes livrarias da Barão de Itapetininga, como a Brasiliense, fundada por Monteiro Lobato e Caio Prado, eram o fervilho de troca de ideias, de busca por novidades, de debate político e econômico, atrás de um projeto de Nação.
Não havia outro grande teatro em São Paulo, a não ser o Municipal, da borbulhante e definitiva Semana de Arte Moderna de 1922. Nos cafés ao lado, como a Leiteria Americana, Oswald de Andrade e outros se debruçavam sobre a essência brasileira, casavam o moderno com o folclore.
Até a década de 1970, se o Ballet de Bolshoi viesse ao Brasil, era no Theatro Municipal que iria se apresentar, com a divina montagem de Pássaro de Fogo, de Stravinsky. Astor Piazzolla, o alterego da dor portenha, da tragédia sul-americana, só se apresentava lá. Até Miles Davis, com seu experimentalismo tão profundo e introspectivo, se apresentou lá.
Só depois abriram em São Paulo as grandes casas de show.
Vi esses três espetáculos na minha adolescência. Vi Stravinsky, com a alma incendiada em êxtase, assim que cheguei em São Paulo em 1975. Vi Miles Davis, de costas para a plateia, num show de fusion jazz, em que ignorava a nossa audiência, a fim de não perder a concentração. Quantas vezes não vi Astor Piazzolla tocar Adeus Niño e Balada Para um Louco, as minhas favoritas.
Eu tinha 15, 16, 17 anos, exilado, recém-chegado na cidade, filho de uma genuína paulistana, que me contava das suas peripécias como adolescente por aquelas quadras. Fui atrás dos locais em que ela e meu pai frequentavam na juventude.
Aprendi a tocar violão no conservatório, aprendi a tocar Villa-Lobos, comprava por ali partituras, sim, naquela época comprávamos partitura, dos grandes violonistas. Violão comprado na 24 de Maio, com o dinheiro de anos de economia.
Comprava cordas de náilon na Casa Bevilacqua, ponto de encontro de violonistas, guitarristas, amantes da música clássica e pop. Ouvi lá um senhor tocando no piano Balada Para um Louco e enlouqueci. Pedi para ele me ensinar a versão em violão. Não havia, mas me deu a partitura em piano, com a qual pude eu mesmo fazer uma adaptação e a minha versão.
A meia quadra da loja, uma galeria de varejo, que depois de abrir uma loja de discos, transformou-se na Galeria do Rock, centro de aglutinação de músicos e fãs, polo da transformação da música brasileira dos anos de 1980.
Foi com dor no coração que descobri, anos depois, que as livrarias da Barão de Itapetininga fecharam, inclusive a Brasiliense, que as lojas de música e as livrarias do entorno do Municipal fecharam. Tentei encontrar a Leiteria Americana e vi apenas um prédio degradado, que manteve a sua magnífica porta, transformada agora apenas em uma decoração pichada sem história. Não se compra mais discos, não se debatem mais ideias musicais numa loja de música.
A ideia de restaurar o centro de São Paulo torna-se urgente, quando testemunhamos o empobrecimento da nossa cultura, passado, memória: da nossa história. O novo Sesc 24 de Maio reacende as esperanças de voltarmos a ter o centro da cidade de São Paulo como um vibrante, vanguardista e cativante caldo cultural.
Marcelo Rubens Paiva é escritor
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