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A invenção voraz do Nenê Trio

Irio Jr. (piano), Alberto Luccas (contrabaixo acústico) e Nenê (bateria).  (Foto: Carol Vidal)
Irio Jr. (piano), Alberto Luccas (contrabaixo acústico) e Nenê (bateria). (Foto: Carol Vidal)

Por Jotabê Medeiros

Logo depois da abdução melódica do trompetista Itamar Borochov, entrou em cena no Jazz na Fábrica, na noite de sexta-feira, o arrastão do jazz do Nenê Trio, o grupo do baterista gaúcho Nenê, de 70 anos, uma lenda da música brasileira.

Nenê, ou Realcino Lima Filho, tocou nos discos Falso Brilhante, de Elis Regina, e no Clube da Esquina 2, de Milton Nascimento, e integrou o Quarteto Novo com Hermeto Pascoal, Airton Moreira, Théo de Barros e Heraldo Monte

Só isso seria suficiente para fazer com que ele estivesse devidamente deitado em sua rede, vivendo dos louros de 50 anos de fina contribuição à música. Mas Nenê é um vovô-garoto, está em constante movimento, compondo suítes vigorosíssimas em sua trajetória recente. Ele lançou três discos temáticos: Outono (2009), Inverno (2013) e agora Verão (2017) - sequência que o baterista faz remeter às Quatro Estações, de Vivaldi.

Foi desse último disco que ele retirou os temas que mostrou no Teatro do Sesc Pompeia, acompanhado de Irio Junior (um Hendrix do piano, alta frequência e volume) e Alberto Luccas (contrabaixo acústico). Foi um show curto, mas pleno de potência e criatividade. As composições de Nenê parecem colagens surrealistas, trens desgovernados cruzando planícies, mas subitamente ele as resgata de sua rota e encaixa tudo, amansa, traz para o controle da bateria (às vezes, conclui tudo riscando o prato da bateria como se tivesse um canivete na mão).  


O "Hendrix do piano" Irio Junior. (Foto: Carol Vidal)

Finamente tingidas de samba em quase toda sua extensão, as suítes vão se sucedendo como viaturas com sirenes ligadas no meio da metrópole. Ele abriu com o tema Calunga, nome que, explicou, fazia referências às bonecas do maracatu pernambucano. Emendou com Depois da Tempestade Vem a Ambulância, que parece carregar em sua estrutura um tempero de baião. Tudo está ali na música de Nenê e, ao mesmo tempo, nada está ali. “Você não vai ouvir um maracatu claramente, como é tocado em um grupo regional. Mas ele está dentro da música, lá no meio ele aparece também”.


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O baterista Nenê. Foto: Carol Vidal

Nenê tem uma estatura gigante de instrumentista, e é comparável, em alguns momentos, a gênios como Max Roach e outros. Privilegia o componente da liberdade em sua música, uma perseguição à qual Irio Jr, particularmente, se dedica com voracidade. Enquanto seu conceito vai sendo apresentado, a interrogação que se apresenta é a seguinte: onde serão os lugares que o jazz de Nenê pode ser apreciado em sua integridade? Ele mesmo parece formular a resposta, ao despedir-se do público tocando Audacioso: “Espero que possamos nos ver brevemente, em outro endereço qualquer”. É isso: não importa onde, a música vai chegar lá.


Jotabê Medeiros é jornalista, crítico de música e escritor.

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