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Groove de Roy é hard
Por Ramiro Zwetsch
A participação da cantora italiana Roberta Gambarini no show do trompetista norte-americano Roy Hargrove parecia promissora. Ela subiu ao palco quando a apresentação do quinteto – completado por Quincy Phillips na bateria, Ameen Sultan Saleem no baixo, Tadataka Unno ao piano e Justin Jay Robinson no sax – já passava da metade e executou o tema de “Tom Cat” (clássico de Lee Morgan) junto com os sopros, para depois improvisar em scat vocais bem equilibrados entre virtuose e delicadeza.
Até então, a banda passeava com segurança pelo território do hard bop, em uma boa sequência que alternou as composições próprias de Hargrove (“Devine Spirit”, “Stuff”) com músicas de gigantes do jazz como Benny Golson (“Stablemats”) e Benny Carter (“When Lights Are You”). A dinâmica da banda se repetia com eficiência conforme avançava o set list: quase sempre, depois da apresentação do tema, o trompete puxava a fila dos solos seguido pelo sax – em um diálogo bem interessante, com Hargrove em uma frequência mais mansa e lírica de poucas notas, criando o clima para o ótimo Justin Jay Robinson chegar em ataques mais frenéticos.
Roy Hargrove e seu quinteto. Foto: Érika Mayumi.
Essa primeira parte até “Tom Cat”, com uma feliz transição para “Blue Monk” (de Thelonious Monk) transcorreu bem naturalmente, com precisão, bons solos e uma sequência em sintonia com o jazz dos anos 60. A entrada de Gambarini, no entanto, promove uma ruptura. Ela segue com uma versão de “Modinha” (Vinicius de Moraes), em uma tentativa de se conectar com o público brasileiro e um mal calculado convite à introspeção. A sequência com “Chega de Saudade” não tem o efeito imaginado: até então muito eficiente na condução rítmica, Quincy Philips derrapa na cadência do samba e a cantora parece mais se distanciar de uma sintonia com a plateia do que alcançar a catarse esperada com a execução de um dos clássicos maiores da bossa nova.
A italiana se mostra mais à vontade na música seguinte, quando encontra o tom certo nos graves de seu timbre para encarar a linda balada “Lover Man” – a crueldade é comparar com a versão definitiva de Billy Holiday e parte do público certamente não conseguiu escapar dessa armadilha. Quem conseguiu deixar de lado (ou simplesmente não conhecia) essa referência, pôde apreciar um dos melhores momentos da cantora na noite: interpretação segura, escoltada por uma bateria bem suave e muita elegância nos graves do contrabaixo acústico e colorida por delicadas pinceladas do sax para realçar o vocal.
O saxofonista Justin Jay Robinson. Foto: Érika Mayumi.
O show caminha para o bis em um clima de rompimento total com a estética do hard bop que deixava o quinteto tão à vontade no começo da apresentação: envereda para o funk, torna-se até mais festivo e o próprio Hargrove incorpora um personagem showman que dança e se arrisca também no papel de cantor em alguns momentos. A última canção, uma balada cantada em italiano, promove uma nova ruptura e leva o show para um clima de piano bar que não combina com o ambiente da comedoria do Sesc Pompeia – com muita gente em pé, consumindo e conversando durante o show.
Aos 47 anos, com quase 30 de carreira e algo em torno de 20 álbuns gravados, Roy Hargrove já é bem conhecido dos apreciadores de jazz no Brasil: ele frequenta o país desde 1995, quando veio ao Free Jazz logo após o lançamento de um de seus álbuns mais elogiados (“With The Tenors Of Our Time”, de 1994, que ganhou as tão desejadas 5 estrelas da revista especializada Downbeat). Em 2006, ele fez um dos shows mais elogiados do Tim Festival. O músico norte-americano começou bem jovem, aos 18 anos, e foi apadrinhado por Wynton Marsalis. Ganhou mais visibilidade nos anos 90 como um dos nomes de destaque da geração de jazzistas batizada de “Young Lions” e integrou a banda de mestres das gerações anteriores do jazz como Clifford Jordan, Art Blakey e Sonny Rollins (que até dedicou uma música para ele, “Young Roy”). O público familiarizado com o hip hop, o conhece também por participações pontuais em discos de artistas como Common, D’Angelo e Erykah Badu.
Embora seja um artista acostumado a trabalhar com várias linguagens do jazz e flertar com gêneros da música pop, o show desta sexta mostrou que é na elegância saudosista do hard bop dos anos 60 que está a essência do trompetista.
Ramiro Zwetsch é jornalista, DJ e um dos sócios da loja Patuá Discos.
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