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Pat Thomas se apresentou no deck do Sesc Pompeia no Jazz na Fábrica 2017. Foto: Érika Mayummi
Pat Thomas se apresentou no deck do Sesc Pompeia no Jazz na Fábrica 2017. Foto: Érika Mayummi

Por Regina Porto

Poucas coisas são tão Europa, tão aquela Europa de rua que a gente adora, como a música africana. Não é de hoje o fenômeno. Vem do fim dos anos 1980 pra cá, quando turbas de bárbaros do Hemisfério Sul (incluindo alguns doces brasileiros) deixaram seus países sem/em desenvolvimento rumo ao Norte do planeta, na promessa das benesses da globalização e da democracia. Nessa brincadeira de visitar os ex-colonos, não demorou para que músicos acabassem por fazer um barulhão por lá, promovendo revoluções culturais às avessas com uma resposta de pura miscigenação sonora a tudo o que fora a França para os árabes, a Alemanha para os turcos, a Inglaterra para os indianos etc. e, bom, a Europa para a Mãe África.

O público do Jazz Na Fábrica vibra no deck do Sesc Pompeia. Vídeo: Carol Vidal


Pat Thomas tem parte nessa história. Chegou na Alemanha fugindo de uma ditadura que proibia a alegria da música “highlife” praticada em sua Gana natal e disposto a ser feliz na terra de Goethe, onde concebeu seu híbrido mais bem-humorado desde a denominação bilíngue: o “Burger-highlife” (no anglo-alemão, “vidão burguês”, sendo “burguês” mais no sentido de citadino do que de classe, portanto podendo ser resumido também a “a nata da nata”). O estilo marcou seu encontro matricial com o melhor da produção tecnológica alemã.


No original, highlife dá nome a um gênero musical e designa um afrobeat típico da costa oeste do continente negro, com mistura de rock, jazz e funk. Tudo somado, acaba dando ao gênero no mínimo uma tripla cidadania continental – meio África, meio América, meio Europa e meio mundo. Porque Pat Thomas se tornou o nomão do highlife mundo afora. Consagrado em circuitos interessantíssimos do globo, ele e banda puseram o deck lotado do Sesc pra pular no domingo de ouro que fechou o festival Jazz na Fábrica. Pulamos de nos acabar, gente de todas as idades, tipos, gêneros e estratos, e todos bem desengonçados perto do que esses caras fazem no palco.


Kwame Yeboah, Emmanuel Kwadwo Ofori e Pat Thomas. Gif: Carol Vidal

“Haha... Watch and learn!” (É assim que se faz, galera!), gargalhava o segundo líder e primeiro guitarrista da banda, Kwame Yeboah. Aliás, péra... guitarrista e tecladista, e aliás vocalista e percussionista. Sim, todos ali – oito músicos na banda, incluindo crooner, duas guitarras, dois teclados, dois sopros (trompete e sax), baixo, percussão – são, senão multi-instrumentistas, no mínimo vocalistas também. E todos percussionistas, ó-b-v-i-o. Que na música africana antes de tudo você precisa ser bom na percussão – o resto vem. E não custa lembrar que a história da música começa em percussão, e que a humanidade toda começou na África. E aí que quando o show acaba com eles oito atacando de ritmistas – bongô, atabaque e afoxé –, a gente olha e pensa: Uau! Quase uma escola de samba... A mãe de todas as escolas...

2017 08 27 Pat Thomas ft Carol Vidal (40)
Os músicos atacam de percussionistas. Foto: Carol Vidal

Nobre, vestindo branco e com uma boina vermelha, o rei Pat Thomas teve também seus momentos de canto griot, aquele canto melancólico de longas narrativas que fazem parte da tradição oral de várias nações africanas. Foi quando contou da sua vida, da luta para aprender a cantar e da luta maior para ser forte. Fez sua a voz de todos. Basta ver. Tocam com os melhores instrumentos do mundo? Não. Tiram dos melhores sons do afropop até quando martelam uma nota só? Sim! A palavra-chave que faz o mundo girar aqui não é o cifrão, é cifra: potência e resiliência. Deram show de megaprofissionalismo: arranjos impecáveis, improvisos eletrizantes, timing perfeito. Tudo revestido de estampa colorida – música, figurino e energia. “Groove with us!” (“Suinga com a gente”). Sei, falar é fácil... rsrs. O ritmo é um viveiro de microacontecimentos musicais, uma loucura! O convite à festa é também um chamamento em riste ao outro, ao coletivo. Mereciam o Nobel da Paz, opa, se não. Last but not least, pois não é que conseguiram ensinar o público a bater palma em síncope? Thanx, guys! Que nem no jazz mais tradicional a etiqueta manda marcar no 1º e 3º tempos, por favor, anotem.


PS: Não consta que tenham pedido toalhas brancas para produção. Já do público pediram coisa, sim: uma petição coletiva por três shows da banda ao ano no Brasil. Change.org já acionada.

Regina Porto é compositora, documentalista e pesquisadora musical.

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Veja mais fotos do show de Pat Thomas no Jazz na Fábrica:

sescsp.org.br/jazznafabrica