Sesc SP

Por Ricardo Lísias

Mas o avô não é apenas, naquela noite fria e inesquecível, o Monstro da Lagoa. Ele também sobe a escada devagar para não fazer barulho e empurra a porta do quarto lá de cima. É ele ali na fresta, olhando se os netos estão dormindo bem. Foi o avô também que comprou uma luneta para levar os netos em uma laje, nos fundos da casa, para explicar a diferença entre um planeta e uma estrela.

O avô é aquele homem mais velho, o que sabe a explicação de tudo, que gosta de conversar sobre todas as aulas da escola, usa um boné engraçado que cobre até as orelhas e era o mesmo dos russos. Ele sabe quem são os cossacos e explica que se a gente andar até o outro lado da Terra, vai voltar para cá, para o mesmo lugar.
O avô gosta de perguntar as capitais dos países e tem uma coleção de mapas de todos os tipos. Mas a gente não pode segurar as folhas, senão amassa. Pode olhar aqui nessa mesa. O avô sabe a história das mil e uma noites, disse que ele mesmo conheceu o Ali Babá e ainda sabe árabe!

Foi ele que ensinou aquelas palavras todas em árabe para falar na escola. O avô mora naquela casona perto do museu e quando a gente tropeça, ele logo vai correndo dizer que não foi nada. Não foi nada, nada, apenas que o avô é aquele homem mais velho, careca e engraçado. Ele sabe o que é um astrolábio, consegue fazer um relógio com a sombra e gosta de ir com os netos à praia. É o avô que usa um sapato esquisito na areia e todo mundo olha. E ele corre com a gente: corre em casa, no museu, corre na praia, na rua, corre hoje, corre no ano que vem, na festa da escola, mas cada vez ele corre mais devagar, e depois já não aguenta tanto e quando você vê é o avô que deixou para a sua mãe essa casa.

Não foi nada. Foi, sim. Foi muita coisa: provavelmente tudo.

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