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Capítulo 04: A Casa do Avô



Por Ricardo Lísias


Eu não estava rezando mas, dessa vez, preferi não responder. Acho que comecei a gostar de silêncio no bairro do Ipiranga. Deve ter sido quando, finalmente, meus pais me autorizaram a vir sozinho visitar meus avós. Foi um ato de coragem deles. Para tomar o ônibus, eu tinha que passar pela Praça da Sé, naquele tempo um lugar bastante perigoso. Como eu já ia sozinho às passeatas, eles devem ter achado que o filho aprendera a correr riscos.

Aqueles ônibus elétricos ainda existem? Fascinado, entrei na linha Gentil de Moura e, quinze minutos depois, o cabo se desconectou do fio. O cobrador subiu no motor e encaixou o contato de novo. Esse cara vai levar um choque. Preferi, por isso, olhar para o outro lado. Não sei se, mais tarde, meus pais perceberam: não é que meço bem os riscos; na verdade, sei me preservar.
Na segunda ou terceira vez em que fui sozinho ao casarão, desci de propósito alguns pontos antes. O Ipiranga tem algumas avenidas bem movimentadas, mas se a gente for quebrando pelas travessas, passa por regiões bastante tranquilas. Várias casas antigas estão preservadas, bem como os galpões e algumas fábricas. A tecelagem do meu bisavô, alguém me disse, acabou virando um supermercado.

Talvez tenha sido olhando a arquitetura do Ipiranga, na verdade, que aprendi a gostar de silêncio. A propósito, sou um historiador de arquivos: onde trabalho, quem fala alto é logo colocado para fora. O fato de meus avós terem passado boa parte da vida em uma casa bem grande também ajudou. Quando minha avó queria que eu levasse um café para o vô, às vezes precisava cruzar vários cômodos em silêncio até chegar onde ele estava. Chamá-lo não adiantaria nada. Um dia, eu o encontrei olhando um mapa do século XIX.

Vem aqui que vou te ensinar o que é latitude e o que é longitude.   


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