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Capítulo 05: A Casa do Avô

Foto: Juliana Bertolocci/SescSP
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                                                                                                                                                         Por Ricardo Lísias

Pensando melhor, sempre fui sensível ao barulho. Cresci no bairro da Lapa, em um apartamento um pouco menor do que eu e meus dois irmãos precisávamos. A localização era ótima para os meus pais. Logo que se formou médica, minha mãe começou a atender no Hospital Albert Sabin; quanto a meu pai, até hoje tenho a impressão de que o único lugar em que ele realmente pisou na vida foi a USP, onde fez a graduação em engenharia elétrica, o mestrado, o doutorado e logo depois virou professor.

Se a Lapa lembra o Ipiranga por causa das ruas tranquilas e dos galpões (no bairro onde cresci, o predomínio era das fábricas de comida, por exemplo as de bolacha...), o apartamento dos meus pais não tinha nenhuma semelhança com o casarão. Em um lugar pequeno, a gente logo reconhece os sons. Alguém está na sala. Agora chamaram o elevador. O gato desceu do sofá e está tentando dormir embaixo da mesa. Não importa, eu simplesmente deitava e cinco minutos depois estava dormindo, para só acordar na hora de ir à escola.

Na casa dos meus avós era bem diferente. Não é o cachorro do vizinho, pensei uma noite, mas alguma coisa no quintal mesmo. Uma folha de jornal está fazendo barulho na escada. Agora são as pedrinhas no lustre. Quando minha mãe anunciava que a gente podia, sim, dormir na casa do meu avô, eu fazia festa por causa da mesona na cozinha, dos doces e da programação que meu avô faria para o feriado prolongado. Mas demorava muito para dormir. O lustre da sala não me saía da cabeça. Perguntei para o meu avô porque não tiravam aquele negócio lá de cima. Deve estar aí há uns cem anos, Ricardo.

É uma noite muito viva para mim até hoje: quando me deitei, fiquei pensando nessa história de cem anos. Não tenho nem doze. E nunca caiu na cabeça de ninguém? Por algum motivo, apenas eu dormiria naquele sábado na casa do meu avô. Fazia frio e por isso minha avó tinha vindo ajeitar o cobertor. Se eu não me mover vou ficar mais tempo sentindo o lugar do corpo onde ela tocou. Bem aqui no pescoço.

Fiquei quieto e então pude escutar meu avô conversando com a minha mãe na sala. Ela estava mostrando uma redação que eu tinha feito na escola. Era um esquema para o capitalismo. Meu avô se incomodou com a lojinha do Salim. A nossa família não é desse jeito, ele falou alto, talvez querendo que eu ouvisse.


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