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Capítulo 07: A Casa do Avô
Por Ricardo Lísias
Meu irmão começou a estudar piano muito cedo. No começo, meus pais não tinham certeza do quanto ele de fato se interessaria por música e então resolveram não fazer nenhum investimento significativo. Duas vezes por semana, ele ia tomar aulas na casa do meu avô com um professor particular que mascateava ali pelo bairro. Como é natural, com o tempo ele sentiu vontade de tocar para um público maior e acabou se tornando um dos músicos mais animados da igreja do meu avô. Os dois passavam muito tempo na sala do casarão onde ficava o piano que meu bisavô comprara na década de 1970.
Minha irmã sempre preferiu o quintal. Ela gostava muito do jardim e passava bastante tempo com a minha avó cuidando das mudas. Sua paixão, no entanto, era o laguinho. O lugar virou praticamente dela. Desde que tinham herdado a casa, meus avós nunca conseguiram cuidar direito daquela parte. Vidrada em água, porém, minha irmã aos poucos foi revitalizando tudo. Antes de entrar na faculdade, tinha até criado uma espécie de fauna particular, certamente única no bairro do Ipiranga, talvez no mundo inteiro... Ela sempre gostou de ir à igreja, também, porque acredita que há uma ligação muito forte entre natureza e algum tipo de divindade.
Quando, então, minha mãe avisava no domingo de manhã que iríamos à igreja do meu avô para depois almoçar no casarão, meus irmãos vibravam. Foi assim durante toda a nossa infância e adolescência. Os dois são religiosos e, no entanto, nenhum seguiu uma vida razoavelmente normal. Como era de se esperar, minha irmã foi estudar Oceanografia e hoje vive entre um navio de pesquisa que roda o mundo e um quartinho em Florianópolis onde só cabem ela e os sete mares. Ao contrário de todas as expectativas, no momento de escolher a faculdade, meu irmão optou pela sua segunda paixão: os animais silvestres. Hoje, é o veterinário responsável pelo setor de crocodilos e afins do Zoológico de Sydney, na Austrália. Apesar de tudo isso, são duas pessoas tranquilas, que entraram na vida adulta sem nenhum conflito. Eu acho.