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Jupiter & Okwess: um mundo de sensações
Por Inés Terra*
Como descrever a experiência física de perder o frio, à medida que o grupo Jupiter & Okwess domina o espaço do Deck do Sesc Pompeia com seu poder performático, composicional e interpretativo?
Sei que começo tentando escrever, vislumbrada pela quantidade de elementos visuais e sonoros que surgem aos poucos no palco, e em seguida me percebo dançando, meio sem querer, como se o palco e a plateia fossem um mesmo terreno, em que Jupiter & Okwess criam as regras da efusão vulcânica.
Permeável ao rock, ao funk e à rumba, com influências de artistas congoleses como Joseph Kabasele e Franco, e dos ritmos regionais Ndombolo e Soukous, a música do grupo liberta a imaginação e os corpos presentes na tarde do domingo, 26 de agosto.
Em Jupiter & Okwess todos cantam, todos tocam, todos dançam, todos improvisam. Num pulso unificado, o grupo seduz pela energia e a riqueza das suas levadas e ritmos.
Gostaria de ver mais de perto a máscara de Montana Kinunu Ntunu, baterista de viradas contundentes e fortes que demarcam as secções diferentes de cada música, introduzindo os coros, a improvisação da guitarra ou a dança coreografada conduzida pelo percussionista e cantor Blaise Sewika.
Kinunu Ntunu não é o único com acessórios chamativos em seu visual. Jupiter Bokondji veste um chapéu roxo, o baixista usa uma camisa de guerra, os guitarristas com as suas estampas coloridas, figuras geométricas e listras, e Sewika de óculos, gorro e regata. Num dos dias mais frios na cidade de São Paulo, Sewika toca as maracas e atravessa o palco uma e outra vez, contagiando todo mundo com a sua dança.
Destacam-se as variações constantes de velocidade, os riffs repetitivos das guitarras de Richard Kabanga e Eric Malu, os coros insistentes marchando para um outro lugar, o groove feroz e gestual do baixo e da bateria, a voz ululante e percussiva do chamador (atalaku) Sewika, a voz com vibrato do baixista Yende Balamba e os glissandos ascendentes nas vozes de Jupiter e de Sewika.
Jupiter passa o show inteiro com os joelhos flexionados, preparado para o ataque. Sua dança é uma espécie de luta que concentra a energia do grupo. O artista distribui sua força entre a voz, a percussão e a rotação da pélvis, trazendo referências de passos como o cocoune e o tourniquet.
Jupiter convida as mulheres a dançar no palco. Cinco delas se aproximam e dançam junto aos músicos. Uma delas toca as maracas com o chamador Sewika. Ao final do show, o convite se expande para quem se aventurar e o palco fica cheio.
Uma das músicas mais emocionantes é Solobombe, cantada pelas vozes do grupo, que cria um timbre único e consistente, harmonizando cada um com a sua voz.
O último som do show é a risada de Sewika, que faz parte da música final. Risada poderosa e incisiva, que fica ecoando no corpo de quem virou cobra, dançou e cantou junto, no palco e na plateia, ou onde cada um/a quiser.
Inés Terra é musicista e pesquisadora formada em música popular na Universidade Estadual de Campinas. É mestranda em processos de criação musical na ECA (USP) e atua como performer vocal em espaços e circuitos ligados à música contemporânea.