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Bem melhor um limite do que um muro!
*Por Dalmir Ribeiro Lima e Sofia Calabria
O horizonte em tons vermelho e verde era desenhado pelos morros da pequena cidade de Monteiro Lobato, com suas matas e fazendas cravejadas ao pé da Serra da Mantiqueira. Se o nome desta formação vem do tupi “Amantikir”, que significa “serra que chora”, não seria coincidência a emoção brotar naquele momento de encontro com a natureza. No alto daquele mirante, alcançado após uma pequena trilha na mata restaurada do Instituto Pandavas, as crianças corriam e apontavam ao longe os lugares que conheciam. Era possível avistar as fazendas e o centrinho de Monteiro, e mais distante, a 40km de lá, o início da cidade de São José dos Campos.
Este foi o cenário visitado pelo Sesc em junho deste ano durante a realização do projeto “Ideias e Ações para um Novo Tempo”, com o objetivo de retratar a relação das crianças com a natureza e os benefícios das vivências educativas ao ar livre. Conhecemos ali no bairro do Souza o Centro Pedagógico Casa dos Pandavas, uma Escola de Ensino Fundamental que atende atualmente uma média de 60 crianças e jovens da cidade, e faz parte do Instituto Pandavas, organização da sociedade civil, sem fins lucrativos.
A Instituição também recebe visitas de escolas e grupos que buscam um dia de aprendizado em meio à natureza. Algumas unidades do Sesc já estiveram por lá realizando passeios e vivências das áreas de turismo e sustentabilidade, e por isso foi um dos lugares escolhidos para o registro desta relação tão próxima das crianças com a natureza, tema central das atividades desenvolvidas durante todo o mês de junho e que continuam presentes na programação do Sesc em São Paulo. Durante um dia inteiro no Instituto realizamos trilhas na mata com grupos de diferentes idades para entender um pouco desta proposta na qual diversos temas e conteúdos pedagógicos são relacionados ao estudo do meio ambiente. Deixamos as crianças serem nossos guias e protagonistas nesta aventura.
Cada detalhe era motivo de surpresa. No início do caminho tinha o urucum com sua tinta vermelha para enfeitar o rosto e enfrentar os obstáculos da trilha: o tronco caído com os cipós, o buraco feito pelo córrego que secou, os espinhos e os galhos pelos caminhos. A curiosidade manifestava-se na descoberta do esqueleto de um animal, e na pegada de um outro, além da estranha vizinhança do formigueiro com uma teia de aranha. Fosse na plantinha com folha em formato da pata de uma vaca, ou nos pequenos cogumelos que nasciam no tronco caído, o conhecimento brotava da terra aos olhos. Os fungos vermelhos na árvore eram sinal do ar puro, e as sementes azuis tinham nome desconhecido, enquanto as aladas eram o motivo da brincadeira. Outras experiências do ar também eram vivenciadas nas cascas abandonadas das cigarras, nas asas das borboletas de todas as cores, no som dos pássaros entre as árvores.
O som do riacho correndo junto à trilha marcava o caminho até a beira da pequena cachoeira, onde a imaginação e o folclore haviam submergido ali a antiga casa dos anões, seres tão difíceis de ver como os sacis que também moravam logo em frente no bambuzal. Já o fogo contido na energia das crianças era bem expressado nos pulos pela trilha e no morro onde subiam correndo e desciam cambalhotando. E lá bem no alto, o horizonte amplo da Mantiqueira se abria aos olhos das crianças, mostrando os limites da escola. Ali se podia observar as divisões entre a mata, os pastos, as plantações de eucalipto, a área rural e a cidade ao longe. No meio do caminho tinha tudo isso, mas não havia ali nem um muro.
Deve ser por isso que Livia, com seus 8 anos, disse gostar tanto das aulas de educação ambiental do Professor Edê. Aliás, só não gosta tanto porque não é todo dia que faz trilha, reforçou a alegria. Seu amor pela natureza ficou evidente na empolgação com que corria pela mata com uma destreza no ambiente que era de fazer inveja a trilheiros e biólogos.
E ao final da caminhada no alto daquele mirante e do auge dos seus 6 anos, o pequeno Hélio veio resumir sabiamente em uma frase o sentimento que tentamos retratar durante todo o dia no Instituto Pandavas: “Eu gosto daqui porque tem muita árvore e não tem um muro que a gente fica preso estudando... tem um limite.... é bem melhor um limite do que um muro!”
Estas palavras expressas com a espontaneidade característica da infância demonstraram um sentimento de carinho pela natureza e a liberdade criativa proporcionada por ela. Um convite para reflexão sobre os motivos para tantos muros que erguemos impedindo um contato mais próximo com a natureza. Os perigos, a falta de tempo, a distância, o desconhecimento?
Não é preciso ir até uma área de mata para se aproximar da natureza. É ótimo quando temos essa oportunidade, mas se observarmos atentamente a natureza está bem mais perto do que imaginamos, ali mesmo na calçada, na praça, no quintal. O que se faz necessário é desconectar um pouquinho das telas e se conectar com outras perspectivas, consigo mesmo e ao seu redor. Entender que os elementos do mundo natural não significam necessariamente sujeira ou perigo, mas são lugares de liberdade e criatividade, onde as crianças se desenvolvem integralmente e podem aprender sobre seus próprios limites, seja correndo alguns riscos ou organizando internamente sua própria essência ao lidar com os elementos essenciais da natureza que constituem a base de todo ser. Subir nas árvores, afundar o pé na lama, a mão na areia, juntar as pedras e galhos, tentar voar com os pássaros, nadar com os peixes, se esquentar na beira de uma fogueira. Quantos obstáculos colocamos para essa paixão manifestada pelas crianças? É preciso que as pessoas tenham experiências amorosas para com a natureza para que possam tratá-la com respeito e amor. As atitudes sustentáveis resultam deste sentimento de pertencimento, integridade e responsabilidade para com o meio ambiente.
Este texto e vídeo editados entre quatro paredes para serem vistos dentro dos limites da tela plana, não são capazes de trazer todas as sensações desta conexão essencial com a natureza. Mas talvez eles possam servir para uma reflexão de como podemos ultrapassar os “muros” para acrescentar, dentro dos nossos limites, cada vez mais vivências com a natureza no cotidiano das crianças? Seja destes “pequenos infantes criativos” que fazem parte da nossa vida ou mesmo da criança que ainda brinca dentro de nós.