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A mulher por Ibsen e Hnath
No espetáculo Casa de Bonecas – Parte 2, em cartaz no Sesc Consolação até 9 de setembro, Nora Helmer, personagem icônica do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, retorna à sua família depois do divórcio e com uma carreira promissora. A estreia nacional nos remete a um texto atual apesar da época, 1879, com um assunto ainda importante a ser discutido: a mulher na sociedade.
Nesta montagem, do americano Lucas Hnath, a história começa de onde Casa de Bonecas parou. Depois de deixar seu marido e filhos, Nora (Marília Gabriela), volta após quinze anos vivendo sua vida de solteira como escritora de sucesso. O motivo de seu retorno só confirma seu posicionamento afrontador para a época: sua total independência do ex-marido.
Curiosamente, a personagem de Nora, representante de uma luta até hoje importante para as mulheres, foi concebida por dois homens, em épocas diferentes (o original em 1879 e a segunda parte em 2017), mas que tinham o mesmo propósito de denunciar a exclusão das mulheres na sociedade e falar sobre sua emancipação. Sobre isso e a vanguarda da personagem neste contexto, Marília Gabriela comenta como Nora é importante para os dias de hoje em uma entrevista para a Eonline.
Eonline: Como essa oportunidade de interpretar Nora chegou até você?
Marília Gabriela: Fui à luta. Lendo notícias sobre peças na Broadway, deparei-me com Doll’s House-part 2, de Lucas Hnath, recém estreada. Achei sua ideia maravilhosa, em primeiro lugar. Depois comecei a ver entrevistas dos atores e do autor sobre a montagem americana e imediatamente contatei um querido amigo, ator e diretor de teatro que vive em Los Angeles, Eduardo Muniz, e pedi a ele a gentileza de ir atrás dos direitos autorais pois eu gostaria de adquiri-los. Fui a primeira a procura-los rs. Não estavam disponíveis ainda, mas eu sabia que queria aquela peça pra mim, me identifiquei com a ideia, com a proposta, antes mesmo de conhecer o texto. Em junho do ano passado tive uma folga e fui à NY confirmar o que eu já previra: a peça era ótima e eu gostaria de me transformar em Nora Helmer e apresentar suas ideias no Brasil.
EO: No espetáculo, sua personagem volta a sua antiga casa, ao seu ex-marido, mas para exercer sua liberdade. Você acha que esse contexto se aproxima da mulher dos dias de hoje? Os entraves que Nora encontra na história ainda existem?
MG: Os movimentos organizados de mulheres no mundo todo, manifestações públicas pipocando em eventos com visibilidade, demonstram a insatisfação com situações injustas e cotidianas. É impressionante a maneira brutal como mulheres são ainda tratadas, o número de abusos e assassinatos cometidos sob qualquer pretexto ou juízo de valor. Nora, quando reivindica seus direitos, uma existência digna e justa, está discutindo num cenário de fim do século retrasado. Nossos feminicídios acontecem em plena segunda década dos anos 2000. Nora tristemente continua atual.
EO: Hoje é a melhor época para ser mulher?
MG: Qualquer época é, ou deveria ser, boa para se ser mulher. Nós somos sensíveis, inteligentes, engraçadas, temperamentais, cuidadosas com as pessoas, batalhadoras e, veja só, somos o óvulo, a barriga que gesta e pare. Já queimamos sutiãs em praça pública, já voltamos ao lar, já tivemos que voltar às ruas, já entramos no mercado de trabalho, já viramos presidente do Supremo e, ainda assim, ainda temos que chorar pitangas e batalhar por nossa paridade, pelo respeito e valorização que merecemos.
O fato é que não fugimos à luta. Quem sabe um dia chegue a nossa melhor época. “Espero estar viva quando isso acontecer”, como diz Nora Helmer!
Foto: Miro
EO: A independência e o sucesso de Nora, para a época da história, chega a ser insultante para a sociedade. Como você vê a atitude dessa personagem, mudando o “papel” da mulher?
MG: Amo a personagem revisitada, amo a postura, a inteligência e a sensibilidade desse homem especial que é Lucas Hnath, que a recriou tão forte. Gosto imensamente do fato de ele não a ter poupado, de tê-la feito voltar para ser julgada, discutida num contexto familiar em que todos acabam sendo avaliados, todos culpados e todos inocentes. O núcleo familiar como um nervo exposto, dramaticamente engraçado, atual, atualíssimo. Ah…as famílias rs.
EO: Quanto tem da personagem em você? E de você na personagem?
MG: Acho que todas as personagens têm muito dos atores, quaisquer que sejam. Temos a humanidade dentro de nós, cada um de nós. Digamos que essa Nora tem um pouco mais de mim do que o normal. E vice-versa rs.
EO: Quão importante é o espetáculo para a sociedade atual?
MG: Um texto sensível, engraçado e inteligente como esse, seria importante em qualquer época. É agora mais do que sempre, por todos os motivos que citei durante a entrevista.