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Lourenço Rebetez ou quando o jazz encontra o universo percussivo brasileiro

Foto: Julay Barretti
Foto: Julay Barretti

Por Isabel Nogueira

A chegada ao Sesc Pompeia no domingo é um espetáculo em si: muitas famílias circulam por todo o espaço, crianças correm pelo lugar amplo e muitas pessoas se espalham pelo Deck na tarde de sol para assistir ao show da tarde.

O palco impressiona pela quantidade de músicos: uma big band formada por doze integrantes acompanham Lourenço Rebetez na apresentação de “O corpo de dentro”, disco lançado em 2016 e produzido por Arto Lindsay.

A formação de big band é uma das mais tradicionais do jazz e foi bastante popular entre os anos 1920 e 50, embora a formação do grupo não seja a de uma big band tradicional. Ali, Lourenço atua como band leader, ao mesmo tempo que como guitarrista.

O show apresenta um universo musical diverso e ao mesmo tempo cuidadoso: as estantes de partituras diante dos músicos demonstram um processo composicional escrito, detalhado e pensado em suas escolhas de temas e arranjos, bastante usual e necessário em formações numerosas.

No entanto, essa é uma big band na qual a presença da percussão é forte: os três tambores colocados à esquerda do palco assumem um protagonismo não apenas de sonoridades, mas da proposição de toques e chamados que são diretamente vinculados ao candomblé brasileiro, especialmente baiano.

A estrutura dos temas demonstra momentos bem delimitados na criação de tramados timbrísticos em que, por vezes, o naipe de sopros dialoga com a percussão, por outras o piano com a bateria, ou a guitarra sensível de Lourenço toma a frente do arranjo.

A criação de texturas densas, cuidadas e ao mesmo tempo delicadas denota uma herança de tradições multifacetadas: ali se combinam as referências que Lourenço faz a seus estudos sobre música afro-brasileira com Letiéres Leite, da Orquestra Rumpilezz, e a escuta de Moacir Santos, que se reflete no uso do naipe de sopros combinado com a percussão.

Ao mesmo tempo, existe uma surpresa timbrística nesse aspecto percussivo do show: por vezes, os tambores dialogam entre si, por vezes com a banda, outras apenas com a bateria, mas os timbres digitais e que remetem ao hip-hop entram também na costura, interpretados por Lourenço Rebetez através de um controlador.

A mistura desses timbres constrói um tramado por meio dos quais os toques de candomblé evocam uma percussividade melódica, que se combina às texturas de todo o grupo e gera uma interessante combinação.

O show traz ainda convidados especiais, como Cassio Ferreira no sax, e se destaca a costura dos solos realizados por ele e por integrantes da orquestra.

A proposta dos solos de piano, bateria e metais traz variações de elementos melódicos e rítmicos, ao mesmo tempo que de condução e métrica, evocando também ali os acentos dos toques de candomblé.

Durante o show, Lourenço comenta ainda sobre o Sesc como lugar formativo em sua vida, observando que os espetáculos ali assistidos tiveram um papel essencial e compõem um elemento importante da sua vivência artística e musical.

Ao mesmo tempo, Rebetez fala sobre seu tempo de estudo na Berklee College of Music, de como isso o fez conviver com outros músicos e ao mesmo tempo perceber o sentido de ser um musico brasileiro.

Essa trajetória que o show mostra é a de um musico jovem, mas que tem referências e práticas diversificadas, demostradas também em seu trabalho como co-produtor do álbum de Xenia França e compositor de trilhas para cinema.

A escuta no Deck do Sesc Pompeia é muito diferente dos espaços do Teatro e da Comedoria: existe uma amálgama entre a sonoridade do palco e os sons do ambiente, das pessoas que vão e vem, da proposta de ser ao ar livre.

Talvez pelo local ou pela proposta técnica, o resultado sonoro do show é como um tempero que se combina com o calor da tarde, acalanta sem tirar do chão e lida com as surpresas de uma forma elegante, mas controlada.

Isabel Nogueira é compositora performer e musicóloga, Doutora em musicologia pela Universidade Autônoma de Madri, Espanha (2001) e Bacharel em Piano pela Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil (1993). Professora Titular do Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora e orientadora dos cursos de graduação, Mestrado e Doutorado em Música (UFRGS), e Mestrado e Doutorado em Memoria Social e Patrimônio Cultural (Universidade Federal de Pelotas). Suas pesquisas e publicações se desenvolvem sobre os temas de música e gênero, performance, improvisação e criação sonora.

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Lourenço Rebetez se apresenta, ainda, no Sesc Araraquara, no dia 31/ago, e no Sesc Sorocaba, no dia 1º/set.

Confira aqui a programação completa do Sesc Jazz.