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Thomas Strønen, Time is a Blind Guide: a poção mágica

Por Inés Terra Brandes

“O tempo é um guia cego” é o nome do grupo criado pelo compositor e baterista Thomas Strønen (Noruega). “Gostaria de ter inventado esse nome, mas roubei de um livro”, brinca Stronen durante o concerto da noite de 24 de agosto, no teatro do Sesc Pompeia. O livro se chama “Fugitive Pieces” e é da escritora canadense Anne Michaels.

Strønen dedica a primeira música para Devanilson José Furlan, técnico de programação do Sesc Pompeia falecido na mesma semana, e em seguida começa La Bella.

As cordas se assomam timidamente num movimento de arcos hesitantes, apenas deslizando pelos instrumentos. O piano preenche espaços criados pelo violoncelo, o violino e o contrabaixo, junto à diversidade de timbres da bateria.

Aos poucos, cria-se um lugar onde o som ativa lembranças, imagens e paisagens; uma espécie de poção mágica que vai envolvendo a plateia.

Time is a Blind Guide valoriza a experiência imersiva no som a partir da exploração de possibilidades do quinteto acústico. Tratam-se de composições que abrem a escuta para diferentes abordagens instrumentais e para as possíveis formações durante o concerto.

Os dedos das mãos de Ole Morten Vagan pressionando a madeira do contrabaixo; a improvisação enérgica do power trio acústico; os arpegios do piano criando um ostinato que introduz uma nova ideia; as cordas improvisando juntas com diferentes técnicas e efeitos ruidosos; o Strønen segurando as vassouras e realizando figuras muito rápidas e inusitadas com as mesmas; vários pássaros cantando no violino de Haakon Aase; Ayumi Tanaka dentro do piano; Tanaka sentada no piano de olhos fechados, com a cabeça para trás, aguardando o momento de se encontrar novamente com as teclas: essas são algumas das imagens que ficarão ressoando por algum tempo na minha memória.

Em Time is a Blind Guide, as músicas se conectam como movimentos de uma grande obra. Parecem haver elementos predefinidos, escritos, e elementos improvisados, a partir dos quais cada instrumentista acrescenta uma visão particular a partir da investigação do próprio instrumento, seguindo um roteiro ou um repertório inicial imaginado por Strønen, cheio de convenções, gestos e cumplicidade.

A bateria prioriza aspectos melódicos e de formação de texturas junto aos outros instrumentos. Chegando ao final do concerto, destaca-se um solo de bateria que se inicia na caixa e se desdobra aos poucos pela bateria inteira, momento em que a exploração de sonoridades se junta a uma precisão rítmica inimaginável, sem excessos, surgindo nos pulsos de quem sabe o que deseja escutar.

Strønen menciona Lucus, último disco gravado pelo grupo. “Lucus significa o sol aparecendo entre as árvores na floresta”, ele explica. Começa a música Release, e eu só consigo ver a floresta andando pelas mãos de Ayumi Tanaka, introduzindo o que seria um tempo em que os corpos se contagiam num fluxo inevitável.

A plateia dupla (teatro aberto dos dois lados) pede, enérgica, o bis, logo concedido. “Viajamos por tanto tempo, precisamos tocar”, diz Strønen. O bis apresenta mais uma vez a intimidade e a reciprocidade entre Haakon Aase, Ayumi Tanaka, Ole Morten Vagan, Leo Svensson Sander e Thomas Strønen, durante um show envolvente e encantador.

Inés Terra Brandes é musicista e pesquisadora formada em música popular na Universidade Estadual de Campinas. É mestranda em processos de criação musical na ECA (USP) e atua como performer vocal em espaços e circuitos ligados à música contemporânea. 

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