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James Blood Ulmer: uma potência de blues em voz e guitarra
Por Isabel Nogueira
A noite é um pouco fria e o Sesc Pompeia está cheio.
A atenção da noite vai para a Comedoria, onde vai acontecer o show de James Blood Ulmer.
O lugar está repleto, mas ainda transitável, congregando pessoas de diferentes idades e estilos.
Um pouco depois do horário marcado, Vernon Reid, guitarrista do Living Colour, entra no palco com toda a Memphis Blood Blues Band.
O primeiro tema tocado pela banda aparece em um funky groovado que se constrói aos poucos, incluindo um sutil e potente momento solo da bateria, e Reid apresenta um por um todos os membros da banda: um preâmbulo para a entrada da figura forte de James Blood Ulmer.
O público se coloca como atento, disponível e em expectativa pelo show, espalhado pelas mesas e em pé na frente do palco na Comedoria do Sesc.
Vernon Reid anuncia a estrela do show, o primeiro ministro do blues: James Blood Ulmer.
Ulmer entra caminhando lentamente saudando o público, se dirige à uma cadeira no centro do palco, apanha a guitarra e dedilha uma primeira frase, para logo começar a cantar.
O timbre da voz que se ouve é avassalador.
A voz de James Blood Ulmer imprime o que vai ser a marca fundamental de todo o show: um blues potente de timbre cheio e identidade marcante.
Sua forma de cantar, assim como sua guitarra, são mais do que um fio condutor, é a linha mestra que vai costurar e demarcar o terreno por onde o show irá se desenvolver.
A guitarra de Blood tem o espirito do blues, mas combina diversos elementos afro americanos neste espectro: vai do jazz ao soul, passando pelo rock, funk e avant-garde, bluegrass e rock.
É para este passeio que a banda toda convida, estabelecendo diálogos onde se alternam de forma fluida os momentos de temas e improvisos; em alguns momentos a conversa acontece entre violino e gaita de boca, outros entre baixo e guitarra, outros diretamente com toda a banda.
O baixo tece uma cama inventiva, brincando de construir melodias, evidenciar e às vezes modificar acentuações, misturando territórios da musica afro-americana dentro do mesmo tema.
Um sorriso que aparecia às vezes de um músico para o outro evidenciava talvez uma tranquilidade e um desfrutar da música que estavam tocando ali, pontuados pelos eventuais “all right” de Blood Ulmer.
Os teclados traziam uma interessante combinação e diversidade de timbres, utilizando às vezes o piano acústico, outras vezes instrumentos eletromecânicos (órgão Hammond e piano Rhodes) sintetizadores ou escaleta, o que representou uma mudança de climas e alternância de espectros de som significativas no âmbito do show.
Na banda, o tempo todo o espirito de solo se intercalava com a ideia de fazer soar o conjunto, enquanto a plateia dançava, acompanhava o show, fazia fotos, vídeos e transitava pelo espaço ao som do blues.
No meio do show, a luz se foi e os instrumentos acústicos mantiveram o groove, tocando ainda alguns minutos enquanto não se sabia como o show terminaria.
Logo depois, a luz retornou e a sensação foi de que a banda voltou em uma pegada de mais peso, com a guitarra de Reid aparecendo com muito mais potência e presença do que vinha soando anteriormente.
James Blood Ulmer e Vernon Reid trabalharam juntos em diversos projetos, e a combinação dos dois fez com que eclodisse um show intenso e inventivo, misturando os elementos fundantes do blues com uma mistura do groove do funk e do rock com as improvisações jazzísticas.
O que se observou no show de ontem foi uma conversa musical densa, onde a força e fluidez dos solos e improvisos se misturaram sem descanso a partir de uma pegada soul-funk, tendo como linha principal o blues na guitarra e na voz de James Blood Ulmer.
Isabel Nogueira é compositora performer e musicóloga, Doutora em musicologia pela Universidade Autônoma de Madri, Espanha (2001) e Bacharel em Piano pela Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil (1993). Professora Titular do Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora e orientadora dos cursos de graduação, Mestrado e Doutorado em Música (UFRGS), e Mestrado e Doutorado em Memoria Social e Patrimônio Cultural (Universidade Federal de Pelotas). Suas pesquisas e publicações se desenvolvem sobre os temas de música e gênero, performance, improvisação e criação sonora.
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