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Stefano Bollani: como conquistar uma plateia com humor e paixão pela MPB
Por Carlos Calado
Uma das melhores experiências que um festival de música pode proporcionar a uma plateia é a de ser surpreendida pela performance de um artista que ela ainda desconhece. Os sorrisos nos rostos da plateia do Sesc Jundiaí, ao final do show do pianista Stefano Bollani, eram transparentes: muitas daquelas pessoas nem imaginaram, ao saírem de casa, que se emocionariam ou mesmo se divertiriam tanto naquela noite de sábado, que começou com um belo show do trio do pianista Salomão Soares.
Bollani vem cultivando há décadas uma prolífica paixão pela música brasileira, depois de descobrir a bossa nova quando ainda era adolescente. O resultado mais recente dessa afinidade musical é seu álbum “Que Bom” (já lançado no Brasil pelo selo Biscoito Fino), com um delicioso repertório de composições próprias, que ele exibiu em sua apresentação no festival Sesc Jazz.
“Vou tocar a música de um compositor contemporâneo, muito vivo, que sou eu”, brincou, falando à plateia, em bom português. Quem já o conhecia e teve a chance de apreciar alguns de seus discos sabe que esse jazzista nascido em Milão (ele costuma dizer que não se considera um cidadão italiano, propriamente, por acreditar que a divisão do mundo em países é artificial) jamais reproduz nos palcos o que registrou nos estúdios de gravação.
Composições como o baião “Ho Perduto il Mio Pappagalino” (inspirada pela lembrança de um periquito que fugiu de sua casa, quando ainda era menino), a quase bossa “Uomini e Polli” (tema com marcante influência de João Donato), assim como o contagiante samba “Galápagos”, ganharam um tempero mais percussivo no show. Em alguns momentos, como no samba-jazz “Olha a Brita”, Bollani chega a percutir as cordas e o próprio corpo do piano com as mãos.
“Se vocês não gostaram do que tocamos aqui, sugiro que ouçam o disco, porque ele está muito melhor”, brincou novamente, já quase ao final do show. Ele sabe que, em seu caso, não se trata de uma versão ser melhor do que a outra. São apenas diferentes – e no palco a música costuma ganhar um calor que, muitas vezes, não existe nas gravações. Mas Bollani é um músico carismático e engraçado, daqueles que jamais perdem uma oportunidade de fazer sua plateia sorrir.
Bem acompanhado pela percussão de Armando Marçal, pela bateria de Thiago da Serrinha e pelo contrabaixo de João Rafael (trio que em alguns momentos soa como uma compacta escola de samba), Bollani também oferece à plateia boas surpresas, em seus improvisos. Como uma divertida releitura de “Cheek to Cheek” (de Irving Berlin), clássico da canção norte-americana, em andamento acelerado.
Mais inusitada foi a citação da canção-manifesto “Tropicália” (de Caetano Veloso), ao improvisar o clássico choro “Segura Ele”. “Eu gostaria de ter composto essa música. Pixinguinha e eu tivemos a mesma ideia, mas ele nasceu antes de mim”, disparou Bollani, com a maior cara de pau, arrancando risos da plateia.
Ao voltar ao palco para atender os pedidos de bis, cantou a lírica “La Nebbia a Napoli” (“Caetano Veloso não está aqui, então eu mesmo vou canta-la”, brincou), mas ainda reservou outra surpresa. Tocou o choro “Tico-tico no [WINDOWS-1252?]Fubá” (de Zequinha de Abreu), convidando a plateia a participar com palmas, em uma versão tão maluca e hilariante, que chegou a lembrar as estripulias de Chico, o pianista dos comediantes irmãos Marx, nas telas do cinema. A plateia de Jundiaí não vai se esquecer dessa noite tão cedo.
Carlos Calado é jornalista, editor e crítico musical. Escreve há uma década o blog Música de Alma Negra.