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O cartão-postal: um convite à viagem

*Por Carlos Cornejo

 

O cartão-postal, o alegre meio de comunicação preferido dos viajantes, surgiu na Áustria em 1868, quando o professor Emmanuel Hermann teve a revolucionária ideia de enviar sua correspondência sem envelope, na forma de um bilhete para mensagens breves, escrita numa cartolina, num sistema simples, econômico e acessível a todos, que o governo da Áustria tornou oficial em 1869 e que a União Postal Universal, da qual o Brasil era membro, adotou em 1880.

Já o cartão-postal ilustrado surgiu quando um caixeiro-viajante alemão, de nome Wolf, que passara a anunciar sua iminente visita aos clientes por meio de bilhetes-postais, para evitar ser confundido com os concorrentes, decidiu pôr seu retrato nos cartões. Em vista da boa aceitação da iniciativa, a indústria cujos produtos representava passou a incluir vistas de suas instalações e da cidade em que se situava.

A ideia se espalhou pelo mundo e, segundo a publicação España Cartófila, “Pouco depois dessa inovação não havia viajante que não possuísse cartões-postais, esforçando-se em dar-lhes um cunho especial de beleza e novidade, resultando num negócio muito lucrativo para os fabricantes, pois todo mundo desejava conhecer essas imagens, as quais começaram a ser colecionadas. A ideia foi aprovada por quase todas as casas comerciais e o bilhete-postal ilustrado, a princípio um instrumento genuinamente comercial, tornou-se o meio de correspondência mais agradável.”

No Brasil, o bilhete-postal surgiu em 1880, impresso exclusivamente pelos Correios, mas sem ilustrações, sendo que a primeira edição particular de uma série de cartões-postais ilustrados sobre São Paulo ocorreu em agosto de 1897, quando o Estabelecimento Graphico V. Steidel & Cia. produziu a série Lembrança de São Paulo, com 27 cartões litográficos contendo belas estampas coloridas que retratavam os principais logradouros da cidade, emoldurados por sinuosas vinhetas e decorados por artísticas flores, bem ao gosto art nouveau da Belle Époque.

Os pioneiros cartões-postais ilustrados são conhecidos como Grüs aus..., expressão alemã traduzida em diversas línguas como suvenir, memórias, saudações, lembranças de... De fato, nas palavras do cartofilista carioca Elysio de Oliveira Belchior,“Os cartões-postais que chegaram aos nossos dias, conservados por antigos colecionadores, são mensagens que o passado nos enviou impregnadas de vida e recordações.”

Ao contrário do que a maioria do público acredita, os primeiros cartões-postais eram coloridos. A colorização era obtida pelo processo de cromolitografia, técnica de impressão por meio da transferência de uma ilustração ou fotografia a uma pedra calcária de grão muito fino e polida, na qual um artista litógrafo retocava os detalhes e aplicava as cores correspondentes a cada chapa de impressão, o que explica a aparência de desenho ou pintura que apresentam os postais impressos com essa técnica. Outro meio de colorir era o aquarelado à mão, que conferia à imagem grande valor estético e acentuava o interesse do público porque transformava cada postal numa peça original.

Da fascinação exercida pelas imagens intercambiadas entre correspondentes de diversos países do mundo nasceu a mania do cartão-postal, sendo de extremo bom gosto enviar lembranças de viagem, recados amorosos ou simples saudações familiares por meio dessas peças postais ilustradas. Surgiu também a “cartofilia”, a coleção e troca de vistas dos mais afastados e exóticos cantos do mundo e de assuntos os mais variados: paisagens rurais e urbanas, nativos, navios, trens, vendedores ambulantes, casais namorando e cenas da vida cotidiana.

Segundo o Almanaque Brasileiro Garnier de 1906, “A moda dos cartões-postais tem dado origem a muitas indústrias novas que vivem dessa mania. Vários fotógrafos têm abandonado os retratos para dedicar-se somente a reproduzir paisagens e monumentos. Hoje vendem-se cartões-postais que são lindíssimas aquarelas e, entre os bilhetes-postais comuns, não são raros os exemplares impressos a cores.”

São Paulo motivou milhares de vistas que permitem constatar a contínua evolução do panorama urbano, as transformações geradas pelo progresso e pelo crescente número de habitantes, percebidas nas mudanças de estilo arquitetônico, no acréscimo de andares nos prédios, nos modelos dos carros e até nas modas passageiras do vestuário dos transeuntes.

Os cartões-postais contêm cenas parciais e panorâmicas da capital, cidades litorâneas e do interior, multiplicadas e distribuídas mundo afora, obtidas por fotógrafos com senso artístico e técnica apurada e reproduzidas pelos meios gráficos mais sofisticados de sua época. Mostram o que há de mais digno de destaque, pitoresco, impressionante ou típico. Aquilo que engrandece a cidade retratada aos olhos do visitante ou estrangeiro e que orgulha quem nelas habita.

É difícil tentar determinar a quantidade de exemplares de cartões-postais de São Paulo produzida desde que Victor Vergueiro Steidel imprimiu a primeira série, em 1897, até o presente, mas não devem ser menos de vinte mil vistas diferentes, algumas reproduzidas até a saturação e outras, particularmente no caso dos cartões fotográficos, tão raras que são verdadeiras relíquias iconográficas.

As técnicas de reprodução diversificaram-se, passando pelas estampas obtidas sucessivamente em cromolitografia, fotogravura, fotopostal e off-set, impressas por editores como Rosenhain & Meyer, Guilherme Gaensly, Vanorden & Co., Ferruccio Manzieri, Nino Malusardi, Casa Garraux, Ao Mundo Illustrado, Rothschild & Co., Laemmert & Cia., Colombo & Francesconi...

Particularmente característicos das décadas de 1930 a 1950 são os “fotopostais”, ou cartões-postais fotográficos, produzidos em pequenas quantidades ou reproduzidos aos milhares em preto e branco, viragem sépia ou coloridos manualmente com aquarela. Os fotopostais foram produzidos por ateliês ou fotógrafos especializados, na sua maioria estrangeiros, tais como Gustavo Prugner, Theodor Preising, Werner Haberkorn, Sulpizio Colombo e seus filhos Alfredo e Aldo, assim como por anônimos fotógrafos lambe-lambe, com suas câmeras de caixão sobre um tripé, espalhados nas esquinas movimentadas, praças, praias, monumentos ou imediações das estações ferroviárias.

A produção cartofilística retratando o litoral paulista também alcançou vastas proporções por enfocar localidades massivamente frequentadas por veranistas, um público ávido por lembranças que estimulou a atividade dos fotógrafos e editores que publicaram as joias iconográficas que admiramos hoje. Entre os principais fotógrafos e editores de vistas do litoral contavam-se J. Marques Pereira, Hermann Eckmann, M. Pontes, José Bidschovsky, Cezar Matheus e Francesco Benassi.

Já no interior, foram numerosos os fotógrafos e editores que se aventuraram a produzir cartões-postais, na sua grande maioria esquecidos ou anônimos, mas que, por meio de sua arte, nos legaram a memória de numerosas cidades. Entre os mais destacados, contam-se Giovanni Beschizza, de Ribeirão Preto; F. J. Rodrigues, de Piracicaba; Pierre Genoud e J. Ladeira, da Casa Mascotte, de Campinas; Camillo Lellis, de Itapetininga; José Abramo, de Bragança Paulista; a Photographia Riberi, de Amparo; Alcibíades Fontes Leite, de Jaboticabal; Filemón Pérez, de São Carlos, e tantos outros...

Na atualidade, os cartões-postais representam o mais significativo documentário iconográfico de São Paulo, com vistas que constituem verdadeiras obras de arte e registram fragmentos da história e da memória coletiva, evidenciando as extraordinárias mudanças do cenário urbano. Criação de fotógrafos que, pondo o pé para fora do estúdio, documentaram a paisagem da cidade: igrejas, palácios, palacetes e residências, o movimento das ruas e os tipos populares. São também documentos que exibem, além da imagem, mensagens pessoais na elegante caligrafia de antigamente, autenticados pela colagem harmoniosa ou deslocada dos selos e a intervenção por vezes violenta do correio na estampa aleatória dos carimbos.

Segundo o colecionador santista Laire Giraud, “A emoção que um cartão-postal traz à alma é quase inexplicável, porque desperta lembranças de outrora que estavam esquecidas na nossa memória. Isso é possível graças a uma palavra mágica que ainda não consta dos dicionários: “cartofilia”. A cartofilia simboliza várias ações, como a de nos levar a percorrer os mais diversos locais na busca de imagens destinadas ao colecionismo de cartões-postais, além de nos trazer doces recordações e mostrar como eram as cidades, as mudanças nelas acontecidas no decorrer do tempo, os meios de transporte e como viviam as pessoas.”

Ou como já eu mesmo escrevi no prefácio de uma das minhas obras: “Fruto da visão artística de um fotógrafo que, ao retratar a paisagem, a perpetua no tempo, o cartão-postal constitui também importante registro iconográfico para a preservação da memória visual dos cenários coletivos. Enfatiza e torna evidente a essência do espaço urbano ou rural em que se desenvolve a vida dos seus habitantes, focalizando os locais emblemáticos. Vistas perenes, produzidas pelos melhores fotógrafos de seu tempo e reproduzidas com a mais apurada técnica gráfica, pelo simples motivo que um postal sem beleza não tem aceitação. Ele precisa cativar quem o contempla, ser uma janela para uma visão mágica e perdurável.”

Enfim, e como já dizíamos em outra de nossas obras, pesquisar editores e fotógrafos é uma expedição de resgate ao tempo ido, aos anos dourados do cartão-postal. As velhas imagens retidas nos postais teimam em despertar emoção e entusiasmo. Evocam cenas de um passado já distante, cheias de encanto e magia, como só a inspiração dos artistas fotógrafos daquela época conseguia recriar. Uma atmosfera pitoresca, própria de uma visão de mundo risonha e otimista.

Nos nossos dias, os cartões-postais continuam a cativar o viajante, sendo quase que obrigatórios para relatar as novidades da viagem aos amigos e família. É um verdadeiro charme selecionar a vista dos locais visitados, caprichar na letra para redigir uma mensagem simpática e logo ir até um escritório dos Correios para despachá-la, idealmente escolhendo um belo selo. E que alegria é a chegada de um carteiro com uma bela vista colorida de um local distante trazendo notícias dos seres queridos.

 

 

O jornalista, fotógrafo e editor Carlos Cornejo é autor, com João Emilio Gerodetti, de sete obras dedicadas a cartões-postais e álbuns de lembranças: a trilogia Lembranças de São Paulo, com volumes dedicados à capital, ao litoral e ao interior paulista, além de Lembranças do Brasil, As Ferrovias do Brasil, Navios e Portos do Brasil e Do Brasil para as Américas. Além disso, é autor ou coautor de outras diversas obras que se servem do cartão-postal como fonte iconográfica e documental, entre elas: Minerais e Pedras Preciosas do Brasil, Nau Brasilis e Transatlânticos no Brasil.

 

 

No mês de outubro, quando se comemora os 70 anos de atividades de Turismo Social, o Sesc São Paulo convida o público a conhecer melhor e refletir sobre a história e importância do cartão-postal por meio do Festival de Turismo Paisagens Postais, que acontece no período de 27 de outubro a 11 de novembro de 2018 nas unidades do Sesc em todo o Estado.

Aqui na EOnline apresentamos algumas histórias sobre este objeto tão marcante no universo das viagens – e que, seja como registro histórico, manifestação de afeto ou item de colecionismo, atravessa o tempo e se reinventa de acordo com o contexto histórico e social em que está inserido, a localidade onde é produzido e o propósito que orienta sua confecção.

Boa leitura e boa viagem!

Saiba mais em sescsp.org.br/paisagenspostais