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Insurgência feminina: exposição, performances e o corpo agregado
Até dia 9/nov, exposição no Sesc Vila Mariana questiona os padrões estéticos impostos sobre o corpo feminino
Ao analisar as grandes obras de arte ao longo da história, comumente serão encontradas representações diversas do corpo feminino – exaltando-as, subjugando-as ou simplesmente retratando-as. Vênus de Botticelli, Mona Lisa de da Vinci, as mulheres de d’Avignon de Picasso, até mesmo Gala de Dalí, inúmeras são as figuras femininas presentes.
Tal percepção atingiu o coletivo de arte estadunidense Guerrila Girls, que produziu um já notório cartaz, questionando: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Metropolitan Museum? Menos de 4% dos artistas das seções de arte moderna são mulheres, mas 76% dos nus são femininos”. A frase evidencia a desproporção não somente da produção realizada por mulheres ao longo da história, mas especialmente de como foi a representação da imagem feminina no universo artístico, predominantemente retratada por homens. Tal cenário muda somente a partir da segunda metade do séc. XX, graças a trabalhos de artistas como Judy Chicago, Carolee Schneemann, entre outras, que desafiam as convenções atribuídas às mulheres, enraizadas no imaginário coletivo universal.
Partindo dessa discussão, a equipe do Sesc Vila Mariana passou a reunir obras contemporâneas de diversas artistas brasileiras com um eixo em comum: o questionamento sobre os padrões estéticos impostos sobre o corpo feminino. Por fim, os trabalhos de doze artistas foram escolhidos para compor a exposição Corpos Insurgentes , inaugurada no dia 24 de julho.
Amanda Melo da Mota, Beth Moysés, Cris Bierrenbach, Fabiana Faleiros, Fernanda Chieco, Grasiele Sousa, Graziela Kunsch, Márcia X, Mariana Marcassa, Negahamburguer, Rosana Paulino e Síssi Fonseca utilizam performances, pinturas, desenhos, fotografias, vídeos, além de seus próprios corpos como suporte artístico. Diferentes elementos estéticos, poéticos e até mesmo políticos são explorados nas obras expostas, desde vídeos como Desatar Tiempos, de Beth Moysés, que mostra mulheres atadas por suas roupas, em um processo de recuperação de violência sofrida; pinturas como Sobre ser respeitada, de Negahamburguer , que versam sobre as abordagens sem consentimento ocorridas nas ruas e desenhos como Os Catamoscas, de Fernanda Chieco, que trazem o corpo humano representado como peças de um jogo, para citar somente algumas.
Corpo Agregado
Além da discussão estética e visual trazida por Corpos Insurgentes, o assunto também se estende para questões cotidianas que a mulher enfrenta: seu posicionamento social, bem como expectativas veladas de que a mulher assuma um papel passivo na sociedade, além da vitimização causada pela violência tanto física quanto virtual, entre outros tópicos.
Dessa forma, entre os meses de agosto e outubro, a programação paralela Corpo Agregado traz palestras, bate-papos, oficinas, vivências, performances, shows e sessões de cinema que discutirão questões do universo feminino.
Entre os destaques, o encontro Violência Contra A Mulher, que discutirá sobre diversas formas de violência e como elas afetam o cotidiano feminino, e o bate-papo Produção e Representação Feminina na História da Arte, que abordará como mulheres artistas têm se posicionado frente a mudanças no cenário da arte contemporânea.
Acompanhe a programação mensalmente aqui.
Insurgência ao vivo
A abertura da exposição contou com quatro performances.
Fabiana Faleiros abriu a noite com Lady Incentivo, que, com bom humor e linguagem despojada, versou sobre a mulher como protagonista, seja em apropriações musicais de Amy Winehouse e Donna Summer, ou em criações próprias, como o funk Batom Borrado, em que brada sobre “passar batom borrado, dizer uns troço errado, sem significado”.
Momentos após, duas mulheres elegantes caminham em direção a um tablado e ao meio de sua conversa, iniciam uma luta de jiu-jitsu: era a performance Round1, de autoria de Amanda Melo da Mota, que explicitava os códigos próprios da luta em um espaço e momento deslocados, causando certo estranhamento e abertura para a sensação de inadequação.
Uma aparente torre de chocolate é trazida ao centro da Praça de Eventos. Logo se percebe que a torre tem vida e, na verdade, são pernas em movimentos vagarosos de uma pessoa enclausurada em uma caixa branca. Era a instalação Comida, de Cris Bierrenbach, trazendo à tona o quanto um corpo muitas vezes é tratado como objeto consumível.
Foto: Roger Sassaki
A última performance da noite, de Síssi Fonseca, intitulada Mesa Posta, trouxe à reflexão o questionamento do papel social da mulher mediante a família e a sociedade. No cenário, uma mesa com diversas pedras em cima e uma mulher com vestido e cabelos vermelhos, que se senta submissamente em uma cadeira, contida, como todos os bons manuais de etiqueta indicam. Pouco a pouco ela retira as pedras da mesa e, gradativamente, deixa o papel inicialmente assumido para trás, subindo à mesa e revoltosamente jogando as pedras nos baldes de água que rodeiam o local.
Bicho de pé
Uma curiosa guloseima era oferecida aos visitantes da exposição: o bicho de pé, doce rosa à base de leite condensado e leite em pó sabor morango. Todavia, ao invés de ser oferecido ao público à maneira tradicional, formatado e contido, o doce, pesado, transbordava da bandeja causando reações diversas: do desejo de experimentá-lo à repulsa total. Ao questionar o garçom sobre o porquê de o doce ser servido dessa forma, o público ouvia uma única resposta: “É certamente muito trabalhoso dizimar o que existe e ajustar o que é justo”.