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O choro, a redenção e os canalhas

Entre junho e julho um assunto domina os bares, táxis, reuniões de família, encontros de amigos, jornais e redes sociais: a Copa do Mundo de Futebol. No Sesc, não é diferente. O Sesc na Copa apresenta uma programação para refletir sobre o futebol e valorizar seus aspectos culturais.

Parte do projeto acontece online, com a publicação do "Visões da Copa", uma série de charges e crônicas sobre os jogos da Seleção Brasileira, publicadas nos dias seguintes aos jogos do Brasil ou após o final de cada rodada.

Nesta edição, acima o cartunista Amorim apresenta sua charge e aqui abaixo o jornalista e escritor Marcelo Moutinho o seu texto. Boa leitura!

O choro, a redenção e os canalhas

Por Marcelo Moutinho

Em futebol, não existe justiça. Poucos conjuntos de palavras ordenadas ecoam com tanta precisão a realidade do esporte inventado pelos ingleses. Times podem jogar melhor e perder, ou serem dominados pelos 90 minutos e, ao fim, marcar o solitário gol da vitória. Mas a partida de ontem, entre Brasil e Colômbia, pelas quartas de final da Copa do Mundo 2014, mostrou que por vezes a frase feita se esfarela.

Não me refiro ao resultado, embora o 2x1 tenha sido mais que merecido. E sim ao gol, e à extraordinária atuação, de Thiago Silva. Desde o jogo anterior, quando nosso zagueiro chorou antes da disputa de pênaltis, informando ao restante da equipe que não se sentia bem para fazer sua cobrança, Thiago tem sido vítima de um covarde linchamento. Sobretudo na corte marcial contemporânea que as redes sociais encerram.

Foi chamado de amarelão, medroso, incapaz, fraco, chorão - neste caso, em discurso que revela em seu subtexto um conceito de antanho, o de que homem não chora. Deixando patente que nem sempre a categoria em campo é mantida fora dele após a aposentadoria, um ex-craque da seleção criticou não só a atitude de Thiago, como suas atuações na Copa, à revelia do fato de o zagueiro ter sido eleito entre os melhores da primeira fase. Chegou-se, no Facebook, a pedir a sumária expulsão de Thiago do elenco canarinho.

O gol que abriu a contagem ontem, o notável desempenho e a postura educada e sem revanchismo quando encerrada a partida só realçam as virtudes desse jogador que foi obrigado a vencer uma séria doença para dar continuidade à carreira, que nunca desrespeitou colegas, fossem parceiros de equipe ou adversários, que deveria orgulhar o Brasil por sua qualidade técnica. Mas nas redes sociais o julgamento é rápido e feroz, desde que mire o outro, nunca a nós mesmos.

Em muitos momentos, as pancadas em Thiago resvalaram no clubismo. Não jogou no meu time, então pau nele. Ao comemorar seu gol contra a Colômbia, nosso capitão bateu no peito, gritando: "Isso aqui é Brasil". Mensagem do atual elenco ao mundo, o berro foi também um recado aos que confundem clube e seleção brasileira. Quando veste a camisa amarela do Brasil, o jogador não tem mais clube, é representante simbólico do país.

Ao lado de Thiago, e igualmente soberbo em campo, estava David Luiz. Parceiros no Paris Saint German, além da seleção, Thiago e David formam atualmente uma das melhores, se não a melhor, dupla de zagueiros do planeta. Ontem, David foi fundamental e, a exemplo do companheiro, marcou seu gol. Gol que, aliás, contou com discreta colaboração de Thiago, que, no exato instante em que a falta seria batida, orienta Fred a se posicionar à frente do goleiro. Com a visão encoberta, Ospina pula atrasado no lance.

David brilhou durante a partida e depois dela. A iniciativa de abraçar o colombiano James Rodriguez e pedir aplausos da torcida para o garoto, que chorava de soluçar ao ver consumada a eliminação, revela a grandeza de saber que também na derrota pode haver mérito, que o revés nem sempre significa fracasso, que a fraqueza é humana, demasiadamente humana. O ato de David é o oposto perfeito da entrada desleal e violenta que tirou Neymar da Copa. Não poderia haver melhor contraste.