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O dia em que o futebol (re)começou no Brasil

Entre junho e julho um assunto domina os bares, táxis, reuniões de família, encontros de amigos, jornais e redes sociais: a Copa do Mundo de Futebol. No Sesc, não é diferente. O Sesc na Copa apresenta uma programação para refletir sobre o futebol e valorizar seus aspectos culturais.

Parte do projeto acontece online, com a publicação do "Visões da Copa", uma série de charges e crônicas sobre os jogos da Seleção Brasileira, publicadas nos dias seguintes aos jogos do Brasil ou após o final de cada rodada.

Nesta edição, as visões do cartunista Biratan Dantas e do jornalista e escritor Rodrigo Viana. Boa leitura!

O dia em que o futebol (re)começou no Brasil

Por Rodrigo Viana

"A crise representa purificação e oportunidade de crescimento. Não precisamos recorrer à palavra chinesa de crise para saber dessa significação. Basta recordar o sânscrito, matriz de nossa língua. Em sânscrito, crise vem de kir ou kri que significa purificar e limpar. De kri, vêm crisol, elemento químico com o qual limpamos ouro das gangas, e acrisolar, que quer dizer depurar. Então, a crise representa um processo crítico, de depuração do cerne: só o verdadeiro e substancial fica, o acidental e agregado desaparece. A partir do cerne se constrói uma outra ordem."

Na ausência de palavras próprias, recorro a meu frei Leonardo Boff e sua subversiva Teologia da Libertação.  É preciso mesmo usar o transcendente e subversivo-libertador para, ao menos por uma fração de espaço-tempo, entender como, em uma blitz de infinitos seis minutos, a Alemanha fazer  4 gols no Brasil. Foi como se estivessem jogando uma partida no fundo de quintal de casa. Todos sabemos o placar final. Os 7 a 1 não foram no quintal de casa. Foram vistos por sessenta mil pessoas no Mineirão, 200 milhões de espectadores no país todo, e todo o resto do mundo. Todo o mundo viu o mito cair. O futebol brasileiro morreu.

A ginga, o jogo, os elementos de resistência que recortaram e traduziram até hoje nosso jeito de jogar foram pro espaço. A derrota para os alemães nos obriga, mesmo contra toda a esperança reacionária, a nunca mais chamar um técnico apenas raçudo (e mediano zagueiro quando jogador) pra ser técnico da seleção. Muito menos serão necessários cinco médios volantes defensivos no meio campo. Acabará a dependência excessiva, maléfica e ordinária de apenas um jogador, Neymar no caso. Não mais chorar-se-á copiosamente em hinos nacionais, disputa de pênaltis, entrevistas. Não teremos mais um goleiro-vilão numa copa querendo se redimir em outra. Não!

A derrota veio em boa hora. Ficaremos, a partir de agora, só com o verdadeiro, o substancial, o cerne.  A essência do futebol voltará a reinar. O espírito, que hoje encarnou-se nos alemães, e durante o mundial perpassou os valentes da Costa Rica, os guerreiros da Argélia, os habilidosos chilenos e os bravos colombianos, voltará, logo após a copa, a ocupar o corpo e as tortas pernas de nós, outros, verdadeiros brasileiros.

Charles Muller trouxe o futebol para o Brasil. Felipão e o pragmatismo parreirístico o matou. A derrota, esta redentora, o faz renascer. Que assim seja. Amém.