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Entre os limites físicos do planeta e os limites morais do mercado
Inaiê Takaes Santos*
Os filmes do eixo temático Economia da 3ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental trazem à tona questões que, embora não sejam novidade para os que trabalham ou possuem algum interesse em recursos naturais, direitos humanos e proteção animal, ficam adormecidas no pensamento da maior parte das pessoas. Tratam das relações de dominação que o homem é capaz de manter com a natureza, seres de outras espécies ou, ainda, seres da mesma espécie, despertando reflexões sobre o sentido do nosso convívio social e as consequências do modo de produção e consumo na sociedade moderna.
Cena de "Figurões"
Febre do Ouro (Gold Fever), Figurões (Big Men) e Montanhas Enevoadas (Cloudy Mountains) retratam os conflitos subjacentes à exploração de recursos naturais, chamando atenção não só à dimensão geopolítica, pois tratam-se de cadeias produtivas inseridas no comércio internacional, mas também às dimensões sociais locais, dado que as atividades de exploração e o potencial de ganho econômico com elas trazem perturbações ao convívio daqueles que habitam a região explorada. Blackfish – Fúria Animal (Blackfish) e Os Sub-Humanos (Redemption Impossible), por sua vez, tocam em questões delicadas relacionadas à dominação dos animais pelo homem. Em Blackfish, particularmente, a despeito de toda a infraestrutura criada para que essa dominação seja mantida, revelam-se áreas não governadas pelo homem. Revela-se que as fronteiras entre o mundo dos humanos e o dos animais precisa ser revista.
A partir disso, é interessante notar como evolui a relação do Homem com os animais e a natureza ao longo de seu ciclo de vida. Ao ocuparem as páginas de livros, as fábulas e as cantigas, os animais ensinam-nos a ser mais humanos em nosso imaginário infantil. Quando crescemos, esse mundo em que os animais pensam, falam e sentem dá lugar a relações mercadológicas, posto que o Homem é o centro do universo e todos os recursos planetários devem ser utilizados para satisfazer suas necessidades e desejos.
Que os impactos ambientais das atividades econômicas têm sido historicamente negligenciados não é novidade. Embora a humanidade seja altamente dependente de recursos naturais para promover o bem-estar social e o desenvolvimento econômico, o que observamos com frequência na sociedade são ações despreocupadas com as origens e a destinação de tudo que se consome e produz. A intensificação da divisão do trabalho contribui para essa situação tirando das pessoas a capacidade de enxergar os processos como um todo, segregando e criando “bolhas”.
Cena de "Blackfish - Fúria Animal"
Quando se trata de incorporar o tema ambiental na teoria econômica, a maioria dos economistas estará pronta para responder que é preciso contornar o problema das externalidades negativas, incorporando às decisões dos agentes o custo social da interferência da economia nos ciclos da natureza. Nesse caso, tem-se “apenas” um problema de precificação de bens e serviços ambientais. Ora, a escassez é um problema econômico por excelência, portanto, desde que todas as variáveis relevantes estejam definidas, o Homo economicus, dotado de racionalidade perfeita, é capaz de maximizar sua utilidade.
Nas fábulas e nas cantigas, os animais ensinam-nos a ser mais humanos em nosso imaginário infantil. Quando crescemos, esse mundo em que os animais pensam, falam e sentem dá lugar a relações mercadológicas.
Embora a precificação e a criação de mercados sejam abordagens extremamente válidas para direcionar as decisões econômicas nas economias de mercado, a possibilidade de compra e venda dos mais diversos direitos que foram criados com a evolução do capitalismo não deixa de gerar incômodo quanto às reais motivações dos agentes para mudar seus comportamentos. Nesse sentido, o filósofo Michael Sandel afirma que, durante as últimas três décadas, economiasde mercado deram lugar a sociedades de mercado. Sem que percebêssemos, as transações mercadológicas tomaram conta de todas as dimensões da vida social. Quando tudo está à venda, os preços tomam o lugar dos valores. O problema, na visão de Sandel, é que os mercados não são moralmente neutros e degeneram valores cívicos que deveriam ser praticados espontaneamente.
Observando o ritmo das mudanças e o comportamento das pessoas na cidade em que moro, penso nas palavras do cientista James Lovelock: “nosso progresso moral não acompanhou nosso progresso tecnológico”. De fato, é difícil afirmar que a tecnologia por si só será capaz de equacionar o problema ambiental associado ao crescimento. Possivelmente, a sustentabilidade dependerá mais da transformação da natureza de consumo do que de inovações no modo de produção.
A crise financeira que se arrasta pelos últimos anos não representa desafio maior do que a crise ambiental resultante da cultura do desperdício e do consumismo. Planeta Re:pense (Planet Re:think) mostra o senso de urgência com a qual a nossa geração precisa atuar para promover uma profunda mudança de valores na sociedade moderna. Faz-se necessário repensar qual é o real sentido da vida econômica: o crescimento por si só não deve ser um fim em si mesmo.
*Inaiê Takaes Santos é economista graduada pela Universidade de São Paulo, com mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente sou Pesquisadora do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP-FGV).
** Texto originalmente publicado no blog da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental
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"Economia", o tema desse texto, é um dos eixos norteadores da programação da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental. A partir de 18 de outubro, 28 desses filmes vão compor a Itinerância da 3ª edição da mostra, que em uma parceria com o Sesc vai percorrer 16 cidades do interior de São Paulo, além da capital, com sessões gratuitas e debates com especialistas em meio ambiente. Saiba mais.