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Ana Dourado... E aí, Biblioteca pra quê?

Ampliar as possibilidades de encontro entre cultura e educação estimulando formas de linguagem embotadas no nosso cotidiano pode ser uma boa definição para o papel de uma biblioteca. Ao concretizar esse espaço lúdico que acolhe a curiosidade dos usuários ao mesmo tempo em que permite o desenvolvimento de múltiplas relações com a leitura, os responsáveis pelas bibliotecas podem contribuir para promover diversas possibilidades de relação com a leitura que estão tendo pouco espaço na educação formal. Como afirma Marie-France Castarède:

“[...] hoje, revisões assustadoras deveriam nos levar a desenvolver mais do nunca o espaço cultural, lugar privilegiado da expressão do indivíduo e da comunicação com o outro, contraponto decisivo ao mundo da inteligibilidade e da ciência tecnológica, o que faz de Winnicott tão contemporâneo. [...] O sensível perdeu lugar para o conhecimento. Já é tempo de ele voltar para sua casa porque ele é o paraíso que nós perdemos.” ¹

Há muitos tipos de leitores, e não poderemos padronizar jamais o tipo de interesse que move cada usuário a passar a frequentar com assiduidade uma biblioteca. Mas podemos, a partir de determinados critérios de organização de acervo, estruturação do espaço e planejamento de uma dinâmica cotidiana voltada para a “mediação de leitura”, criar condições para a ampliação do número de leitores efetivos, respeitando sua diversidade e promovendo a acessibilidade nas bibliotecas.

A biblioteca pode ser um local ideal onde o patrimônio cultural da humanidade seja preservado ao mesmo tempo em que se garante espaço para diversas atividades voltadas para o aprofundamento da relação com a leitura. Um espaço que ofereça todas as possibilidades de ampliação do universo de conhecimentos, mas que também preserve formas autônomas de contato com os livros e com outros suportes de texto. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a biblioteca reúne conhecimentos úteis à inserção dos indivíduos na sociedade e no desenvolvimento de habilidades requisitadas pelo mundo do trabalho, ela deve ser o espaço de encontro com a ludicidade e a estética necessárias, como diz Antonio Candido, à constituição do sujeito. São elementos que contribuem para o afastamento em relação ao peso da realidade, das tarefas, do esgotamento que muitas vezes é causado pelo acúmulo de saberes transmitidos quase sempre de forma massificada.. Como diz Michèle Petit, mesmo oferecendo experiências coletivas de relação com a leitura, uma biblioteca deve ser também um local onde o silêncio permita o distanciamento do mundo agitado, tornando possível o mergulho na leitura como experiência totalmente individual, pois a leitura é também uma forma de:

“...escapar do tempo e do lugar em que supostamente se deveria estar; escapar desse lugar predeterminado, dessa vida estática e do controle mútuo que uns exercem sobre os outros.”²

A partir dessa multiplicidade de fatores que ampliam ou limitam o desenvolvimento do gosto pela leitura, pode-se perceber o quanto é ainda necessário, no contexto brasileiro, investir em uma diversidade de estratégias para superar problemas históricos. Uma relação de maior intimidade com a leitura é algo que ainda precisa ser construído para a grande maioria dos brasileiros. Tal construção, infelizmente, não depende apenas de uma vontade inicial ou de uma experiência vivida de forma livre, espontânea. Ou seja, o encontro casual ou obrigatório de um possível leitor com um livro não é algo que, em si, provoque uma relação de intimidade com a leitura. Assim, a biblioteca ainda se mantém como espaço privilegiado para a promoção da leitura enquanto prática social.  


¹CASTARÈDE, Marie-France. La Voix et ses sortilèges. Paris: Les Belles Lettres, 2000. P.202.
²PETIT, Michèle. Os Jovens e a Leitura.. P. 28.