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Magic Paula fala sobre a importância da campanha Move Brasil

Fotos: Ricardo Silvestre e Giane Moraes | Ilustração: Tamara Demuner
Fotos: Ricardo Silvestre e Giane Moraes | Ilustração: Tamara Demuner

O Sesc Interlagos recebeu a ex-jogadora de basquete Magic Paula que conta sobre sua carreira, a situação do basquete brasileiro e a importância da campanha Move Brasil

Na semana Move Brasil, o Sesc Interlagos recebeu a ex-jogadora de basquete Maria Paula Gonçalves da Silva, ou simplesmente Magic Paula. Dona de uma carreira com importantes títulos, entre eles o Pan-91 em Cuba e o Mundial de 1994 na Austrália, Paula, que hoje trabalha como diretora do Instituto Passe de Mágica, conversou com a EOnline sobre sua carreira, a situação do basquete brasileiro e a importância da campanha Move Brasil.

EOnline: Por que você decidiu pelo basquete e não por outros esportes?
Magic Paula: Nasci numa cidade bem pequena do interior de São Paulo que se chama Osvaldo Cruz e um dos poucos momentos de lazer que a gente tinha, era ir ao clube. Então, um período estudava na escola e nas atividades de educação física aprendi a gostar um pouco do esporte. Nos momentos que ia para o clube, sempre que chegava lá, tinha uma escolinha diferente e eu me inscrevia. Tinha um time de basquete masculino bem forte na cidade, principalmente juvenil e colegial. Quando eu ia ao clube, via os meninos treinando e jogando 21. Comecei a brincar e participar do joguinho de meia quadra. Eu olhava e imitava o que eles faziam. Até que montaram um time feminino. Minha irmã mais velha começou a jogar, mas eles não deixavam eu treinar. Falavam que era muito nova. Venci pela insistência. Todo dia estava lá quando minha irmã tinha treino. Ficava pedindo para ela falar para o técnico me deixar treinar. Um dia ele pediu "ah, entra aí e treina". No primeiro jogo amistoso que o time fez, eu já fui titular. Começou a pintar a paixão pelo basquete e a partir daí foi que me chamou a atenção.

EOnline: Você participou do projeto de criação da equipe de basquete da UNIMEP. Nos Estados Unidos, é comum as universidades incentivarem os alunos a prática de esportes. Como você avalia esse procedimento no Brasil?
M.P.: Eu fiquei em Jundiaí dos 14 aos 18 anos. No Colégio Divino Salvador, eu estudava e jogava enquanto participava das competições representando Jundiaí. Quando vou à Piracicaba, vou contratada pela universidade. Foi um projeto bem inovador. Foi a primeira universidade que montou uma equipe de ponta, de alto rendimento e que representasse a universidade. Bem nos moldes norteamericano. E eu acabei estudando e fiz o meu curso de educação física lá. A gente vê que no Brasil não tem uma política esportiva nem para a base e nem para a universidade. Está muito aquém do que poderia ser o ideal, principalmente essa motivação de fazer com que o esporte seja parte integrante da universidade aqui no Brasil.

EOnline: No Instituto Passe de Mágica, as modalidades abrangidas são boxe, taekwondo, levantamento de peso, remo e esgrima. Você já pensou em trabalhar com o basquete ou até mesmo fazer parte da comissão técnica da seleção?
M.P.: No ano que ve a instituição faz 10 anos. Foi criada com foco totalmente voltado para o social. Em 2011, a gente recebeu o convite da Petrobrás para assumir um projeto – Plataforma 2016, integrante do Programa Petrobrás Esporte & Cidadania - onde o Instituto iria fazer a gestão administrativa e financeira do projeto, que é voltado e focado para o alto rendimento. São modalidades escolhidas por conta do pouco apoio que têm no Brasil e também pelo número de medalhas em jogo numa competição como a Olimpíada. O projeto nos seduziu porque o foco estava voltado para a preparação do atleta visando as olimpíadas de 2016. O basquete que a gente vive hoje lá dentro é o basquete lúdico. O nosso trabalho é mais voltado para a área social mesmo.

Em relação a trabalhar com a seleção, ser treinadora é algo que não está no meu perfil, no meu DNA. Talvez se fosse para ajudar em alguma coisa na parte administrativa, como ex-atleta integrando a uma comissão, não teria problema nenhum. Convite não foi feito e hoje eu tenho essa atividade intensa com a instituição no dia a dia. Precisa ver como, em que momento e de que forma chegaria isso. Não posso dizer que não trabalharia com isso. Acho que depende muito da proposta e do que está ao meu alcance e no perfil que eu acredito.

EOnline: É possível viver de esporte olímpico no Brasil contando apenas com os patrocinadores?
M.P.: A gente tem uma visão bastante equivocada. Acho que atualmente os esportes olímpicos estão bem amparados. Pode falar "ah, mas os atletas continuam tendo os mesmos problemas". Tenho certeza disso também, porque esse amparo chega às confederações. Talvez essa preocupação das confederações em relação ao dia a dia com o atleta não ocorra. Eu acho que nos últimos anos esse investimento, principalmente do governo, da maioria das estatais patrocinando esportes aumentou demais. O que falta ainda é planejamento e profissionalismo dentro das entidades que comandam os esportes no Brasil.

EOnline: Você é a favor do Bolsa Pódio (programa do governo federal que tem como objetivo oferecer apoio complementar aos esportistas durante a preparação para o evento Rio 2016)?
M.P.: Eu sou a favor que o atleta tenha de se preparar dignamente, adequadamente. Agora, muitas vezes só o salário não é suficiente. Não adianta eu pegar e "está aqui R$20 mil por mês para você", "R$15 mil para você", porque um treinamento exige toda uma multidisciplinaridade. Esse atleta vai ter vários pilares de sustentação para desenvolver o trabalho. Então, se às vezes você pegar o dinheiro e remunerar, o que vai acontecer? Ele vai ter que contratar um nutricionista, vai ter que contratar um psicólogo, e pagar do bolso dele. E isso vai custar quanto para ele? Sou a favor de o atleta ser bem remunerado, bem reconhecido e ser valorizado. Mas eu acho que só o salário não é o suficiente.

EOnline: Você e a Hortência foram rivais dentro e fora das quadras, em busca de resultados individuais. Como foi superar isso para a conquista de títulos importantes como o mundial de 1994 na Austrália?
M.P.: Isso é algo que eu falo bastante na minha palestra. Enquanto cada uma ficou olhando para dentro do seu umbigo, para dentro de si, a gente viveu um momento muito bacana do basquete feminino no Brasil em que havia uma rivalidade entre equipes e entre cidades. Isso fez com que o basquete feminino evoluísse. Quando a gente chegava na seleção, não conseguia falar "não, agora eu tiro a camisa do meu clube, você tira do seu e aqui é Brasil". Talvez a gente tenha demorado tanto tempo para conquistar um título por falta de orientação, mesmo de quem nos comandava na época. O que tem que ter é respeito nesse processo do desenvolvimento de uma equipe. Chegar ao sucesso depende das relações pessoais. Não adianta às vezes você montar uma grande equipe, planejar, se estruturar, treinar, se as pessoas que compõem esse trabalho acabam competindo entre elas. E a gente demorou certo tempo para entender isso. Quando cai essa ficha, os resultados começam a surgir e a gente começa a ganhar os títulos internacionais. Foram quase 15 anos para conquistar o primeiro título que foi o Pan-Americano de Cuba.

EOnline: E dos títulos que você conquistou, qual marcou mais sua carreira?
M.P.: Eu dou valor para todos. Meus primeiros títulos como mirim, estadual, mas eu não posso negar que o campeonato mundial na Austrália em 1994 foi o título mais importante da minha carreira. Aqui eu não estou falando do basquete feminino brasileiro. Essa é uma visão minha, porque muita gente pode achar que a medalha de prata em Atlanta é mais importante por todo o glamour, por todo o marketing que envolve uma competição como a Olimpíada. Mas na minha visão pessoal, o mundial é o título mais importante.

EOnline: Com a criação da NBB (novo basquete Brasil), o basquete no Brasil ganhou mais visibilidade com as transmissões de jogos na TV aberta. O que mais é necessário para transformar em um esporte rentável?
M.P.: 
Eu acho que a NBB veio para um crescimento num momento bem importante, mas ela tem uma gestão independente e não é gerida pela confederação. A gente ainda deixa a desejar a forma como conduz a gestão da confederação, que cuidam das seleções. De uma maneira geral, deveria cuidar das federações que compõe os Estados e, consequentemente, são essas federações que deveriam oxigenar o basquete por todo o país. A gente não consegue desenvolver um trabalho que se começa lá na base, massifica. Tem muita gente fazendo o esporte, a modalidade, e daquela quantidade vai tirando a matéria prima para abastecer as seleções de base. Elas têm que sair para o mundo, jogar, porque quando você termina a fase de uma geração, a outra que chega está preparada para assumir aquela condição das peças, para conseguirem repor de uma maneira satisfatória. Como acontece no vôlei, por exemplo. Você vê um levantador e daqui a quatro anos vai ver outro igual ou melhor daquele que saiu. No basquete não. Você fica esperando que aconteça um milagre e que surja algum talento que vá lá e resolva. Estamos falando de esporte coletivo. Você precisa ter todo mundo contribuindo da sua melhor maneira.

EOnline: A seleção masculina de basquete se classificou para uma Olímpiada após 16 anos sem a presença de jogadores que atuam na NBA (liga de basquete profissional norteamericana) participando do Pré-Olímpico. E nesse ano, na Copa América, novamente os atletas não estiveram presentes e o resultado foi considerado um vexame. Falta incentivo e preparo para os atletas que atuam no Brasil?
M.P.: 
Eu acho que as peças que acabam não vindo e não aceitando a convocação, são importantes no contexto de uma equipe. Você não pode abrir mão da qualidade dos atletas brasileiros que jogam hoje na NBA. Eles fazem falta para o time. E assim, o cara tem um contrato de milhões de dólares e não pode arriscar seu futuro, mesmo que seja defendendo o Brasil. O cara precisa de um seguro. Eu realmente não sei o que aconteceu. Não sei se também acreditaram que poderiam se classificar com a equipe que tinha sem os meninos da NBA. Correram risco e, quando a gente corre risco, pode ganhar ou perder. Sinceramente eu não estou lá dentro e não sei o que acontece, mas é indiscutível a qualidade que agregam os meninos que vem da NBA e os que estão aqui. Isso é notório. São duas seleções diferentes. Sem os meninos da NBA é uma coisa, e com os meninos da NBA tem outro poder de ação e mobilização.

EOnline: Você tem noção do peso da sua fama que inspirou atletas que hoje estão na seleção de basquete e outros muitos que estão começando a carreira agora?
M.P.:
 Eu parei há quase 15 anos e vivo em um país em que a memória é bem curtinha. Já estou numa fase em que as pessoas me reconhecem porque seus avós me viram jogar. Acho que o meu papel a partir de agora é mais como cidadã brasileira. Por trás de tudo que aconteceu com a minha geração, com a nossa carreira, acho que a minha função hoje é mais através de atitude, do exemplo, da ética, conseguir transmitir para esse pessoal que o país tem jeito, que a gente cada vez mais tem que buscar. Porque hoje em dia se fala “pô, aquele cara é honesto” como se fosse um elogio. Aprendi que isso é dever, é algo que já vem junto com a gente, tem que vir no DNA. Eu me sinto mais no papel de uma representante brasileira que defendeu o País e quer passar alguma mensagem para os que queiram ser como eu, porque estar numa Olimpíada é para poucos. Eu estava ontem em um evento que tinham 600 jovens e nenhum deles foi para a Olimpíada. Então eu acho que a porcentagem de pessoas que têm essa chance de estar lá é muito baixa, mas o esporte é muito bacana para agregar valores e é nisso que eu acredito, que o esporte faz a gente melhor. É essa mensagem que eu tenho que passar a partir de agora.

EOnline: Quem são suas inspirações, tanto pessoal quanto profissional?
M.P.: 
Eu tinha o Ayrton Senna como uma grande inspiração. Não deixou de ser porque ele apesar de não estar mais aqui, através da sua instituição, continua fazendo coisas boas. Eu acho isso tudo muito relativo porque as pessoas esperam muito das outras. Se cada um fizer um pouquinho, não precisa querer ser ninguém, a gente tem que fazer o que está ao nosso alcance, o que é da nossa capacidade. As pessoas que mais me incentivaram, que foram mais importantes para mim, na minha carreira, na minha vida, foram meus pais. Primeiro porque me geraram e segundo porque foram meus maiores incentivadores a fazer esporte e pela educação que me deram. Os nossos ídolos às vezes estão dentro da nossa casa, a gente não precisa sair por aí buscando, eles estão dentro da nossa vida, do nosso cotidiano.

EOnline: Na história do seu envolvimento com o Sesc, tem algum momento que marcou sua vida?
M.P.: Eu curto demais o Sesc, que faz um papel que na grande maioria deveria ser do Estado. O Sesc contribui muito para a formação, para o desenvolvimento cultural, esportivo e de uma maneira geral acho que é um exemplo a ser seguido. Se tivessem outros tantos mais Sescs que tem, talvez a gente conseguiria mudar um pouco a condição do nosso país. Eu vejo de tudo e já fiz de tudo no Sesc. Sentei para ser entrevistada pelo Toquinho, dei clínica de basquete, fiz palestra e viajei pelo Estado de São Paulo inteiro com campanhas. Então as coisas que são realizadas pelo Sesc sempre têm o meu aval, meu carinho e minhas assinaturas. Ontem na Unítalo foi bem emocionante. Uma palestra que estou acostumada a dar, mas acabamos recebendo a visita do Valdir Pagan, que foi treinador da seleção brasileira e depois foi coordenador da área técnica quando a gente conquistou a prata na Olimpíada e o campeonato mundial. Na minha palestra eu acabo falando desse momento e o chamei lá em cima para falar um pouquinho e foi bem emocionante. Foi um momento bem bacana com a participação dos alunos. Para se emocionar, tem que se envolver e ter prazer no que faz. Não sairia da minha casa para ir para um lugar que eu não acredito que possa estar contribuindo de alguma forma. E eu acho que o Sesc sempre contribui muito na minha vida e nas coisas que acontecem em parceria.

EOnline: E a importância da campanha MOVE Brasil no incentivo das pessoas para a prática de esportes e exercícios?
M.P.:
Novamente o Sesc abraça um papel do Estado e a gente sabe da epidemia da inatividade física, da epidemia da obesidade. As gerações mudam. A geração hoje é muito mais virtual, muito mais sedentária, o tempo todo na frente da TV. O Sesc nos motiva porque está sempre à frente de todo mundo nas suas ações, e dentro da instituição, dentro do Instituto (Passe de Mágica),  a gente abraçou essa campanha, abraçou a campanha do MOVE Brasil. E quando a gente fala “ah, não precisa ser um atleta”, a partir do momento que você tem um corpo, seu corpo precisa se movimentar. Começar a criar hábitos diferentes porque quando você faz uma atividade física, se sente melhor, dorme melhor, se preocupa com uma alimentação mais saudável, então é de responsabilidade nossa, principalmente nós, ex-atletas e pós-atletas, abraçarem essa causa é obrigatoriedade nossa de se envolver com uma ação como essa.