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Jazz ou clássico? Que tal os dois...

Dizzie Gillespie
Dizzie Gillespie

O termo Third Stream (algo como Terceira Corrente, em português) foi cunhado, em 1957, pelo compositor e arranjador norte-americano Gunther Schuller para designar o crescente interesse de músicos oriundos do jazz na fusão do gênero com a música de concerto. Essa “terceira via”, digamos assim, traria ao cenário um novo tipo de sonoridade que combinaria aspectos destas duas linguagens distintas.

Em 1961, Schuller definiu como "um novo gênero musical localizado a meio caminho entre o jazz e a música clássica". Ele insistiu que "por definição, não existe tal coisa como 'terceira corrente de jazz'”, mas notou que, enquanto os críticos de ambos os lados da tendência se opunham a corromper sua música favorita com a outra, objeções mais fortes eram tipicamente feitas por músicos de jazz que achavam que tais esforços eram "um ataque às suas tradições". Ele escreveu que "ao designar a música como uma 'terceira corrente' separada, as outras duas principais não poderiam ser afetadas pelas tentativas de fusão".

Vinte anos mais tarde, ao olhar para o gênero em perspectiva histórica, Schuller ofereceu uma lista de o que o Third Stream não é:

Não é jazz com cordas.

Não é jazz tocado em instrumentos "clássicos".

Não é música clássica tocada por jazzistas.

Não é inserir um pouco de Ravel ou Schoenberg entre as mudanças do bebop - nem o contrário.

Não é jazz em forma de fuga.

Não é uma fuga tocada por músicos de jazz.

Não é projetado para acabar com o jazz ou a música clássica; é apenas mais uma opção entre muitos dos músicos criativos de hoje.

Ufa!

Bem, polêmicas, regras e rótulos à parte, a fusão entre música de concerto e jazz foi explorada muitas vezes por diversos compositores e instrumentistas, tanto de um lado quanto de outro da “correnteza”. De rearranjos ou readequações estilísticas, até novas composições dedicadas, a história da música, dos últimos 100 anos, está repleta de registros deste encontro, aparentemente insólito.

Compositores europeus como Darius Milhaud, Igor Stravinsky, Paul Hindemith, Maurice Ravel, Kurt Weill e Dmitri Shostakovich, além dos norte-americanos George Gershwin, George Antheil, Leonard Bernstein e Aaron Copland já haviam experimentado com os modelos jazzísticos nas primeiras décadas do século 20; ainda que talvez a partir de uma concepção mais adequada somente à sala de concerto. Alguns pagaram caro pelo ineditismo, outros pela inexperiência, outros ainda pela referência pasteurizada que tinham do jazz.

O importante é que essa relação já não era exatamente uma novidade quando da concepção do Third Stream. Aliás, se olharmos mais para trás ainda podemos citar o trabalho de Scott Joplin, músico negro de treinamento clássico que marcou a era do Ragtime, ou mesmo o uso de melodias de spirituals afro-americanos por Dvorák, no segundo movimento de sua Sinfonia nº9 (1893), este talvez o primeiro registro, em discurso oficial, dessa fusão.

Na década de 30, a onda começou a mudar mudou de lado, ainda que de maneira mais pontual. Um dos pioneiros foi Benny Goodman, um ícone do jazz com uma carreira paralela na música de concerto. Já a compositora e pianista de jazz Mary Lou Williams compôs, em 1945, Zodiac Suite, inspirada nos poemas sinfônicos do início do século.

No entanto, foi só a partir da década de 1950 que o clássico passou a atrair a atenção dos jazzistas de maneira mais contundente. Miles Davis, por exemplo, que já havia gravado um arranjo de uma composição do francês Léo Delibes, lança em 1959 Sketches of Spain, primeiro disco explicitamente Third Stream a alcançar sucesso comercial, mais e mais músicos passaram a olhar para essa tradição que era puramente “branca e europeia”.

Nesse ponto da história voltamos a Gunther Schuller, músico e compositor de concerto, cuja trajetória se mistura ao jazz logo em seus primeiros anos de formação. Gunther e John Lewis, do Modern Jazz Quartet, foram figuras centrais nesse período. Ambos trabalharam com Charles Mingus, J.J. Johnson, Dizzy Gillespie, Jimmy Giuffre, entre outros, sempre na perspectiva de aproximar os dois estilos e criar uma nova sonoridade, ao ponto que se tornassem indistinguíveis.

O Third Stream teve vida curta, porém permitiu uma ampliação dos horizontes musicais e proporcionou que houvesse uma aceitação maior para que compositores transitassem livremente entre as duas tradições. Os discos do gênero, por exemplo, influenciaram Don Cherry, Anthony Braxton, Joe Zawinul, Eberhard Weber, Keith Jarret, Roscoe Mitchell e John Zorn a mergulhar na experimentação nas décadas seguintes.

Embora o termo remeta a um período especifico da história, reaparecendo aqui e acolá para designar um novo disco ou composição, o Third Stream estabeleceu parâmetros (ainda que não definitivos) dessa relação sonora e foi muito importante para a aproximação entre sala de concerto e clube de jazz.

Esta edição da playlist Só Jazz Não Basta? apresenta uma seleta de encontros entre jazz e música clássica; seja nas conexões mais explícitas, seja nas insuspeitas. Sem restringir ao Third Stream e seus produtos diretos, o repertório variado abriga extremos como a versão de Gil Evans e Miles Davis para Concerto de Aranjuez, do espanhol Joaquin Rodrigo e Actions for Free Jazz Orchestra do compositor contemporâneo polonês Krzysztof Penderecki, em colaboração com Don Cherry.

Aguce os ouvidos e aumente o som!

1. Antonin Dvorak – Sinfonia nrº9 II. Largo
2. Scott Joplin – The Chrysanthemum
3. Igor Stravinksy - Piano Rag Music (Sviatoslav Richter)
4. George Antheil – Jazz Sonata
5. Darius Milhaud – La Creation du Monde: Le Chaos avant la création
6. Gershiwn – Rhapsody in Blue (Jazz Band Version)
7. Erwin Schullhof - Esquisses De Jazz Nº 2
8. Dmitri Shostakovich – Jazz Suite nº1 III. Foxtrot
9. Benny Goodman – Bach goes to town: A Fugue in Swing
10. Samuel Baber – Four Excursions
11. Alto Saxophone Sonata – III Sehr Langsam (Glenn Gould)
12. Mary Lou Willians – The Zodiac Suite: Cancer
13. Aaron Copland – Four Piano Blues #3
14. Leonard Bernstein/Benny Goodman - Prelude, Fugue and Riffs
15. Stan Kenton/Bob Graettinger – City of Glass II. Dance Before The Mirror
16. The Modern Jazz Society Presents a Concert of Contemporary Music - Midsömmer
17. Jimmy Giuffre – The Sheepherder
18. George Russell – Concerto for Billy The Kid
19. The Eddie Sauter Big Band – Tropic of Kommingen
20. J.J. Johnson – Poem for Brass
21. Jimmy Giuffre - Western Suite
22. Gunther Schuller – Transformation
23. Charles Mingus – Revelations First Movement
24. Miles Davis – The Maids of Cadiz
25. Miles Davis – Concerto de Aranjuez: Adagio
26. Leonard Bernstein/Dave Brubeck - Dialogues for Jazz Combo and Orchestra II. Andante
27. Leonard Bersntein - Improvisation for Orchestra and Jazz Soloist (não está disponível no Deezer)
28. Modern Jazz Quartet – Sketch
29. Jimmy Giuffre – Ictus
30. John Lewis/Gunther Schuller – Piece for Guitar and Strings
31. Dizzy Gillespie - The Sword of Orion
32. Gil Evans – Moon Taj
33. Stan Getz – Night Rider
34. Stan Getz – Once Upon a Time
35. Paul Desmond – Desmond Blue
36. Charles Mingus – Duet for Solo Dancer
37. Clare Fisher – Solette/Passsacaglia
38. Cannonball Adderley – Experience in E
39. Modern Jazz Quartet – Bachianas Brasileiras
40. Lalo Schifrin – The Blues For Johann Sebastian
41. Joe Zawinul – From Vienna, with Love
42. Moondog – Symphonique #6
43. Anthony Braxton/Muhal Richard Abrams – Nickie
44. Alice Coltrane – Andromeda’s Suffering
45. Wadada Leo Smith - Tastalun
46. Keith Jarret – Solara March
47. Kronos Quartet - It Don’t mean a Thing
48. Kronos Quartet – Re: the person I knew
49. Oscar Peterson – The Bach Suite: Andante
50. Jacques Loussier – Bach’s Brandenburg Concerto II. Affettuoso
51. Dave Brubeck – Nocturners – Strange Meadowlark
52. Lara Downes/Dave Brubeck – Chromatic Fantasy Sonata: Chorale
53. Lalo Schifrin – Jazz Piano Sonata III. Molto Vivace
54. Krzysztof Penderecki/Don Cherry – Actions for Free Jazz Orchestra (não está disponível no Deezer)
55. Roscoe Mitchell – And then there was peace
56. Anthony Braxton – G. Petal (Improvisation)
57. Vijay Iyer/Wadada Leo Smith - Passage
58. Olivier Hebert & LoFi Octet –  Suivre le Courant

Agora é só dar o play!

Você pode escolher onde escutar - a playlist está disponível no Spotify, no Deezer e na Apple Music: