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Terras de Guarulhos
Por José Carlos Vilardaga*
Wassu Cocal, Pataxó, Pankararu, Kaimbé, Pankararé, Fulni-ô e Tupi. Todos estes nomes se referem a grupos indígenas que vivem no município de Guarulhos. São cerca de 1600 indivíduos (Censo de 2010), variando pouco mais ou pouco menos conforme a fonte da informação. Lutam, como seus antepassados, pela sobrevivência, pela terra e pelo direito a existirem em sua diversidade e cultura. Já foram muitos mais, com outros nomes, línguas e costumes: Maromomi, Tupiniquim, Guaianá. Uma população indígena, contabilizada aos milhares, que aqui vivia no século XVI, o século da chegada dos europeus a este solo.
Os Maromomis, que ficaram conhecidos como Guarulhos, eram chamados pelos portugueses de “gente andante”. Existem registros a respeito dos Guarulhos no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Caraguatatuba e no Vale do Paraíba e na Serra da Mantiqueira, esta conhecida na época como “serra dos Maromomis”, e há controvérsias se este povo já vivia por essas bandas ou foram trazidos para cá de outras regiões. Para os padres jesuítas, que os descreveram de modo bastante simplista e estereotipado, eles seriam amigáveis, monogâmicos, dormiam no chão, gostavam de jogos e não praticavam a antropofagia. Manuel Viegas, jesuíta que fez o primeiro catecismo em sua língua para atrai-los à fé cristã, ficou conhecido como “apóstolo dos Maromomis”. De todo modo, ao seu lado, ou contra eles, Guaianases e Tupiniquins também habitavam a região.
Entre 1585 e 1607 situa-se a criação do aldeamento de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, sob comando dos padres jesuítas, e a criação de uma capela. O chamado “caminho real”, que levava da vila de São Paulo à capela do aldeamento, virou lugar de trocas comerciais e de romarias para as práticas de devoção a uma das mais populares representações de Maria no período colonial.
O aldeamento era uma forma de reduzir (reunir), na expressão da época, num único lugar, os indígenas dispersos. Concentrá-los com a intenção de formar um cinturão de proteção e de fornecimento de mão de obra. Existiram vários em torno da vila de São Paulo. Além de Conceição de Guarulhos, São Miguel, Itaquaquecetuba, Pinheiros, Carapicuíba, Barueri, M´Boi e Escada. Por isso mesmo, os colonos buscavam se instalar em terras vizinhas às aldeias para que pudessem se apropriar dos índios como mão de obra escrava. A aldeia de Guarulhos chegou a ter 800 índios contados em 1640. Em 1660, numa visita, encontrou-se somente o cacique, único remanescente da aldeia, pois os membros da tribo estavam espalhados pelas fazendas.
A lei portuguesa chegou a proibir a escravização do indígena, mas isso não era levado em conta pelos moradores. Usavam a expressão “administrados” e “forros” para esconder a verdade da escravização, mas esta pode ser verificada nos testamentos nos quais os índios eram deixados em herança, como bens.
As primeiras famílias de colonos se instalaram ao longo dos rios Baquiruvu, Jaguari, Juqueri e do ribeirão Parati, em regiões que ficaram conhecidas como Caucaia, Cabuçu e Bananal. Ao lado das plantações de milho, algodão e trigo, foram se instalando e formando suas lavouras, seus moinhos e suas criações de animais. Tudo trabalhado pelo braço indígena nestes primeiros tempos. Junto, veio o ouro. Os vestígios da exploração ainda estão presentes em nomes de lugares da cidade, como Tanque Grande e Lavras Velhas do Geraldo; e nas ruínas e restos de galerias, obras de drenagem, paredões, escavações em encostas e nos montes de rejeitos espalhados por vários cantos do território municipal. Ninguém ainda conseguiu calcular quanto ouro foi tirado, mas acredita-se que não tenha sido pouco. Também é incalculável o quanto tudo isso pesou nas costas indígenas. Já em 1685, o aldeamento virou freguesia e, pouco depois, bairro. Todas as terras já tinham sido apropriadas pelos colonos e a esmagadora maioria dos indígenas agora estavam dispersos pelas propriedades, miscigenados ou mortos.
Porém, não aceitaram resignados o destino que quiseram lhes impor. Resistiriam de diversas maneiras. Tanto fugindo para os interiores, quanto fazendo petições às autoridades contra aqueles que os ofendiam. Revoltaram-se contra os colonos que os escravizavam e reagiram com violência em 1652 e 1660. De lá para cá, muita coisa mudou em Guarulhos, mas a defesa dos povos indígenas pelo direito de existirem ainda continua.
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*José Carlos Vilardaga é Doutor em História, professor na Unifesp, autor dos livros Lastros de viagem (1498-1554) e São Paulo no Império dos Felipes (1580-1640). A paixão pela história colonial das Américas me faz estudar um continente, mas também me faz estudar os lugares que habito, como Guarulhos, parte desta imensidão americana.