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Ocupação Museu do Ipiranga reafirma parceria entre o Sesc São Paulo e a USP
Desde 2017 o Sesc Ipiranga e o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, vêm desenvolvendo ações conjuntas, que possibilitam a ocupação dos espaços do museu com atividades artísticas e culturais e dos espaços do Sesc Ipiranga com parte do acervo histórico e atividades realizadas pela equipe do Museu.
A parceria tem como objetivo chamar a atenção da sociedade civil para o Museu que se encontra fechado desde 2013, com previsão de reabertura em 2022, ano que marca o bicentenário da Independência.
A programação baseia se no reconhecimento da falta de representatividade de diferentes grupos sociais nas narrativas históricas oficiais e buscam trazer à discussão o poder da narrativa hegemônica, representada de forma simbólica, pelas pinturas e esculturas que integram o acervo do Museu.
No período de maio a julho, o Museu recebe as leituras cênicas da dramaturgia Territórios de resistência, narrativas em disputa, composta por três partes, Florestanias, Sertanias e Ribeirias. O projeto, construído de forma coletiva, a partir de três obras do acervo do Museu A Baiana, de autoria desconhecida, Índio com Arco e Flecha e O Herói da Guerra do Paraguai, ambos de Adriano Henri Vital Van Emelen. Os textos, escritos por Murilo de Paula, Dione Carlos e Felipe de Moraes, se intercalam durante as apresentações.
Indio com Arco e Flecha | A Baiana | O Herói da Guerra do Paraguai | Acervo Museu do Ipiranga
Em Florestanias a dramaturgia parte da obra Índio com Arco e Flecha para tratar do início da colonização: a chegada dos primeiros europeus ao Brasil, as interpretações do episódio pelos ameríndios, as entradas no território e o processo de extermínio dos povos nativos.
Sertanias tem como centro a tela A Baiana e aborda a exploração do ouro e o uso do trabalho escravo para essa atividade econômica. A simbologia por trás das joias ostentadas pela mulher retratada faz referência às trilhas que levam até as Irmandades Negras (como, por exemplo Nossa Senhora da Boa Morte, na cidade baiana de Cachoeira ou Nossa Senhora da Irmandade do Jatobá, na cidade mineira de Belo Horizonte), lugares liderados por mulheres, que constituíam e ainda constituem, um espaço social, político e religioso, autônomo, com regras próprias de funcionamento.
Ribeirias, baseia-se no quadro O Herói da Guerra do Paraguai, e nas ânforas da escadaria do museu, que guardam águas de importantes bacias hidrográficas dos quatro cantos do país. A proposta é construir um percurso poético por tempos e espaços que compõe o território nacional, tendo como caminhos fundamentais quatro grandes rios brasileiros, suas histórias e importância na Grande Guerra da Tríplice Fronteira, mais conhecida como Guerra do Paraguai (1865-1870).
Histórico das ações
A parceria se intensificou a partir de 2017, com a realização de um ciclo de cursos e oficinas ligados aos fazeres do Museu e a realização da primeira edição do Museu do Ipiranga em Festa, que levou intensa programação cultural ao Parque Independência e lançou o concurso público para os projetos de restauro e modernização do Museu, além de festejar os 433 anos do bairro histórico.
Museu do Ipiranga em Festa 2017 | Foto: Lenise Pinheiro
Em novembro e dezembro do mesmo ano, o espetáculo Leopoldina, Independência e Morte [estudo#2], de Marcos Damigo, apresentou uma visão renovada sobre a vida da personagem histórica e seu importante envolvimento no episódio da independência, em sessões gratuitas no saguão do edifício monumento.
No ano de 2018, as atividades tiveram início no dia 27 de março, quando o Sesc Ipiranga recebeu a cerimônia de apresentação do projeto vencedor do concurso destinado ao restauro e conservação do Museu.
No período de maio a setembro deste ano, parte do acervo do Museu ocupou os espaços do Sesc Ipiranga na mostra Papéis Efêmeros: Memórias Gráficas do Cotidiano. Com curadoria de Chico Homem de Melo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/USP, e de Solange Ferraz de Lima, diretora do Museu Paulista, a exposição trouxe cerca de 500 peças gráficas que revelam hábitos e costumes dos brasileiros entre o ano de 1890 e o fim da década de 1990. A mostra contou com intensa programação integrada com cursos, oficinas, bate-papos e performances, e recebeu mais de dezesseis mil pessoas.
Devido a sua relevância, a exposição segue em cartaz no Sesc Piracicaba, de 26 de abril a 27 de julho de 2019.
Ainda em setembro de 2018 a segunda edição do Museu do Ipiranga em Festa, levou ao Parque dezenas de apresentações artísticas e culturais com a proposta de refletir sobre os significados da Independência, ao lançar um olhar crítico sobre três marcos históricos: 1822 (Independência do Brasil), 1922 (Centenário da Independência e efervescência intelectual em São Paulo com a Semana de Arte Moderna) e 2022 (Bicentenário da Independência e reabertura do Museu do Ipiranga).
Na sequência o Museu recebeu as performances Serviçal, da atriz Ana Flávia Cavalcanti e Apagamentos do dramaturgo Zé Fernando Azevedo. Serviçal convidou negros e negras presentes a contarem suas histórias de trabalho, provocando uma discussão entre duas realidades muito distintas: ser um trabalhador negro e ser um trabalhador branco no Brasil.Já Apagamentos discutiu os reflexos da escravidão em nossa sociedade, as relações entre a independência e a escravidão e as lutas abolicionistas e emancipatórias.
A Babá quer Passear | Foto: Guilherme de Oliveira
Em outubro do mesmo ano o Sesc Ipiranga levou ao Museu três atividades do projeto Experimenta! Comida, Saúde e Cultura, ação em rede que propões ampla compreensão da alimentação e suas conexões com a cultura, saúde, sustentabilidade e desenvolvimento socioeconômico. Na primeira atividade, a historiadora Maria Helena Caldas ministrou a aula Mandioca - A Rainha do Brasil, que abordou de os aspectos culturais da culinária da mandioca, suas qualidades nutricionais, usos e preparos. Na segunda apresentação, o Chef André Boccato mediou o bate-papo Os Banquetes do Imperador, que falou sobre o momento histórico e a culinária de Dom Pedro II, com direito a degustação de algumas das preparações da época do Império. Para finalizar esta programação a Chef e doutora em História da Ciência, Lucia Soares, conduziu o bate-papo e degustação Cultura Paulista entre Colheradas de Açúcar, que abordou a importância da produção de açúcar em São Paulo e a história dos doces mais consumidos na cidade no século XIX.
Os Banquetes do Imperador | Foto: Guilherme de Oliveira
O Sesc Ipiranga por sua vez, sediou o Seminário Internacional sobre Sustentabilidade em Museus, evento que promoveu amplo debate sobre a função da instituição museu na contemporaneidade e as estratégias para sua manutenção e sustentação financeira.
Em novembro, foi realizado o espetáculo de dança Alla Prima, do coreógrafo Tiago Cadete, a performance revisitou a representação do corpo na história da arte brasileira por meio de imagens que, ao longo de cinco séculos, ajudaram a formar ideais sobre o Brasil, os brasileiros e a brasilidade. Ao mesmo tempo em que contemplou a narrativa histórica tradicional de uma nação composta por africanos, europeus e indígenas.
Neste ano de 2019 a parceria foi retomada no mês de fevereiro com ações que uniram literatura, poesia e música em saraus que tiveram como proposta o compartilhamento de experiências culturais e a ocupação do espaço por grupos, trajetórias e histórias, tradicionalmente excluídos e invisibilizados. Passaram por lá as performances: DiaspOralidade: Descolônia em Mares Revoltos com Duo_Decaphonico - Caco Pontes e Caleb Mascarenhas; o Transarau com o coletivo Transformação e os convidados Tacacá Kasahara, Amara Moira Leona Jhovs; Erika Malunguinho, Ave Terrena e Maria Adelaide de Estorvo; além da Roda de Poemas Antes de Nós, do coletivo Mulheres Negras na Biblioteca,com participação de Esmeralda Ribeiro e Miriam Alves.
Em março aconteceu a temporada do espetáculo Matriarcado em Pindorama, da Cia. Estelar, que recontou a história do Brasil por meio das vozes de importantes mulheres que a história oficial silenciou. Utilizando recursos de teatro, dança, música, artes visuais e literatura a dramaturgia fez um passeio pela história partindo do período colonial das personagens Bárbara de Alencar, Maria Felipa de Oliveira e Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, passando pelo modernismo de Anita Malfatti e chegando aos dias atuais, de Mariele Franco e Niéde Guidon.
Durante o mês de abril, aconteceu o experimento cênico Morte e Dependência na Terra do Pau Brasil, com as Cia Livre e Oito Nova de Dança e direção de Cibele Forjaz. A peça inspirou-se na peça de aprendizagem "Os Horácios e Os Curiácios", de Bertolt Brecht, que descreve o confronto entre dois exércitos desiguais. Criado especialmente para o Museu do Ipiranga o espetáculo integrou o projeto Abril indígena e tratou do tema da violência histórica na conquista de territórios no Brasil, assim como das estratégias contemporâneas de resistência dos povos ameríndios.
Ações futuras
Para o mês de setembro já está prevista a realização da terceira edição do Museu do Ipiranga em Festa, com atividades artísticas de diferentes linguagens para todos os públicos.
A parceria entre as instituições tem demonstrado que a união de conhecimentos técnicos e experiências em diferentes áreas contribuem para a promoção e valorização da diversidade cultural e pluralidade de vozes que formam o tecido social. As ações com foco em grupos e narrativas excluídas trouxeram outras perspectivas ao público, possibilitando ampliar as leituras e reflexões sobre a história do Brasil. As atividades realizadas nesse período, além de ativar os espaços do museu, fechado ao público desde 2013, também permitiram que o Museu Paulista e o Sesc Ipiranga expandissem suas ações para além dos muros institucionais; caminhos coletivos que contribuem para a construção de uma sociedade que respeite e valorize as diferenças.