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Cristiano Mascaro: poesia através das lentes
“Essa sala é um pouco escura. Vocês querem gravar no escritório? Lá é mais iluminado, mas vocês decidem!”. Com essas palavras Cristiano Mascaro nos recebeu numa manhã de segunda-feira em seu ateliê e residência, um refúgio acolhedor localizado na Grande São Paulo, para contar um pouco sobre sua extensa trajetória como fotógrafo nas ruas da cidade. Essa frase foi o início de um bate-papo com esta pessoa de generosidade proporcional a qualidade de seus registros fotográficos.
Num primeiro momento, a missão de entrevistá-lo não parecia algo fácil. Gravar um vídeo ou fotografar um profissional que domina a arte e a técnica da fotografia é um grande desafio. A todo o momento surge a impressão de que as pequenas habilidades deste repórter estão sendo testadas. É como se você quisesse enviar uma carta de agradecimento para aquele poeta famoso que te encantou com as palavras e você mal sabe organizar as suas numa frase concisa e coesa.
Apenas dois telefonemas foram suficientes e estava agendada a entrevista. Pelo tom das ligações estaríamos diante de alguém completamente receptivo. E lá fomos nós com um equipamento muito simples: T5i e um tripé na mão, roteiro pré-definido e pé na estrada! Com seu óculos redondo no rosto e a barba branca que trazia a marca da experiência de muitos anos dedicados a observar o mundo de uma forma diferente, Mascaro iniciou seus relatos de uma vida marcada pela paixão pela fotografia, que só poderiam ter sido contados por um grande observador de histórias.
UMA VIDA FEITA DE ACASOS
Cristiano conta que nunca teve tradição para as artes em geral na família. Acredita muito em coisas do acaso e seu caminho de vida e carreira estão muito relacionados a esses encontros casuais: "É evidente que o mundo já refletiu a respeito disso. Se você tá caminhando por uma rua, se você vira pra esquerda pode orientar todo o resto da sua vida numa direção, se você vira pra direita pode acontecer alguma coisa diferente. E isso já aconteceu na minha vida muitas vezes."
Ele considera a escolha de sua formação acadêmica como um acontecimento inconsciente. Conta que estava esperando seu pai, que dava aula na Faculdade de filosofia localizada na rua Maria Antônia e passou em frente a um lugar que o impressionou. Era a FAU - Faculdade de Arquitetura da USP. “De repente eu passei por um gradeado muito bonito, com jovens, moças e rapazes num jardim... E olhei numa placa tava escrito assim: ‘Faculdade de Arquitetura e Urbanismo’. Falei 'Nossa! que lugar maravilhoso!...Então esse casarão ali na rua Maranhão me impressionou muito e meio de uma forma até não sei se irresponsável ou intuitiva achei que eu deveria estudar ali. E assim foi".
"...E foi lá que eu descobri fotografia"
O currículo do curso de arquitetura é muito amplo. O arquiteto lida com um universo diversificado e por isso, além das disciplinas específicas, também conta com aulas de fotografia. Fugindo de uma disciplina específica que se considerava péssimo, Mascaro foi parar na biblioteca da faculdade que tinha um grande setor de fotografia. Casualmente, puxou um livro de Cartier Bresson - Images à la sauvette - e se impressionou muito com uma imagem.
"A lembrança nítida que eu tenho é que eu comecei a folhear o livro e a primeira foto me impressionou muito porque era uma foto da vida cotidiana. Era um casal de noivos, num balanço. Tinha tudo para que não chamasse assim muita atenção, mas a fotografia era expressiva. Eu achei assim 'que forma interessante de enxergar o mundo'. Algo que eu percebi que era construída com o olhar."
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FOTOJORNALISMO
Um outro fato casual em sua trajetória foi sua participação em um concurso no qual ganhou o primeiro prêmio. A jurada era Claudia Andujar, que compunha o time de fotógrafos da revista Realidade; profissionais que admirava e acompanhava de perto. Tempos depois do concurso, Claudia o convidou para trabalhar na editora Abril, que estava para lançar a primeira edição da revista Veja, em 1967.
"De repente virei repórter fotográfico sem nunca ter tido uma formação jornalística."
E assim virou fotojornalista. Era o período da Ditadura no Brasil. Seguiu com os grandes percalços da profissão, levando borrachada e sendo detido muitas vezes porque estava passando em frente a um banco com a câmera fotográfica na mão. Nesse período realizou grandes coberturas, como a batalha da Maria Antônia, mas sentia que não teria uma carreira de futuro, apesar do grande aprendizado que teve na revista.
Recebeu um convite para coordenar o laboratório de recursos audiovisuais da universidade e ali permaneceu por 14 anos, onde fez seu Mestrado e Doutorado e cobriu grandes pautas, como os incêndios nos edifícios Andraus e Joelma. Durante estas pautas começou a descobrir a cidade. Um dia andando na praça da Sé, em frente a um edifício da Caixa Econômica, viu um rapaz numa cena entre dois pilares. Registrou esse momento e novamente isso determinou o seu caminho. "Parecia que ele estava dentro de um túmulo, numa cena urbana. Fiz essa foto. A partir dela eu comecei a me interessar por essas cenas da vida cotidiana”, relata.
É PRECISO VER A CIDADE
Durante estes anos, Cristiano Mascaro descobriu a cidade e essas cenas cotidianas que só se consegue observar caminhando a pé. Fez muitas fotos com a câmera 35mm e quando adquiriu um modelo Hasselblad, que precisava do tripé, seu trabalho exigiu uma maior reflexão ao retratar a paisagem urbana de uma forma mais ampla do que aquele primeiro retrato, com o espírito do repórter fotográfico, aliado a um certo rigor formal que aprendeu na escola de arquitetura, mas sempre atento às surpresas que uma grande metrópole pode oferecer. "A gente tem uma orquestra na frente que é a vida da cidade com toda a sua dinâmica. São as nuvens que se movimentam, são os automóveis que passam. Ainda bem que os prédios ficam paradinhos no lugar”, brinca.
Dos trabalhos que produziu, as fotos que mais o impressionaram foram feitas por acaso. Por mais que ele fizesse um planejamento, muitas vezes estar atento às surpresas gerava as melhores imagens. "É uma mistura de uma certa disciplina, mas é importante estar predisposto a surpresas", conta.
O INSTANTE POÉTICO
Para Mascaro, a fotografia e a poesia tem relação muito íntima. Ele traça um paralelo entre seu trabalho e o de Ferreira Gullar, por ser uma coisa de relance. Gullar, muito conhecido por sua escrita simples e eficiente, costumava dizer que sua poesia nascia do espanto, algo totalmente fora de seu controle e não havia como determinar o momento em que seria escrita. " Ele não programa 'Hoje eu vou sentar e fazer uma poesia'. É uma coisa que vem da própria vida. Como eu caminhando: As coisas vão acontecendo na sua frente. O poeta domina as palavras e consegue colocá-las na posição correta pra que haja assim uma emoção. Não me sinto um poeta, mas a poesia certamente tem muito a ver com a fotografia”, reflete.
Apesar de grandes feitos, Cristiano não se considera um gênio e ressalta a necessidade de tentar ser o melhor até o limite da sua capacidade, aperfeiçoando ao máximo o que aprendeu. Ele afirma que é preciso seguir seus impulsos e muito importante se apaixonar pelo que faz para seguir em uma carreira como a que escolheu e foi escolhido. “Estando apaixonado você é capaz de pular todos os obstáculos para conseguir o seu objeto de desejo. Eu me sinto muito satisfeito. Nunca me arrependi de ter me tornado fotógrafo. Estou muito feliz dessa maneira”, finaliza.
Cristiano Mascaro esteve no Sesc Campo Limpo no dia 11 de março de 2017 no FestA! Festival de Aprender, para falar um pouco sobre seu trabalho.
Reportagem: Ronaldo Domingues e Silvio Basílio, Comunicação do Sesc Campo Limpo.