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Para ler quando tudo passar!

“É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório...
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.”
A vida na hora. Wislawa Szymborska
 

 

 

Dia 06 de outubro de 2020. A estreia. Encontro 1.

Que a entrada na cápsula do tempo com a Cia do Flores, o Coletivo Menelão e a Cia. do Tijolo, fique marcado em nossos corpos como o registro de tempos que nos afastaram dos palcos, mas nos proporcionaram um tributo virtual a Dionísio e ao Teatro!

 

As conexões de uma estreia virtual.

Às 18:45 liguei o computador e aguardei a conexão.

Conectados estávamos por mensagens desde a semana anterior.

Não havia conexão via Wi-Fi.

O celular estava ao lado com as mensagens que não foram enviadas.

Eram 18:55 e eu ainda buscava conexão para o computador nos demais cômodos da casa. Desconectar era algo impensado. Não conseguir conectar de forma alguma era mais doloroso ainda.

E foi então que, não desvendando os mistérios do Wi-Fi sem sinal algum, recorri ao cabo azul perpassando a mesa do escritório improvisado. Recurso antigo. Recurso esquecido. Recurso do desespero.

18:57. Computador ligado.

18:59. Acesso ao Meet, aplicativo da reunião.

19:00. Iniciamos “Cenas Centrífugas Entreato”.

Estreamos!

 

Abrimos a cortina, ou melhor, a sala virtual!

“Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém

O empregado não saiu pro seu trabalho

Pois sabia que o patrão também não tava lá

Dona de casa não saiu pra comprar pão

Pois sabia que o padeiro também não tava lá...

O dia em que a terra parou!”

 

Oi. Todos ouviram o Raul?

Ah!! A terra parou... O tempo parou!

Vocês me ouvem?

Ouvem?

Estão me ouvindo?

Para quem o tempo não parou?

Estão me ouvindooooooooooooooooo?

Sim. Sim. Sim. Sim.

 

As reconexões afetivas de um trabalho coletivo.

Dramaturgia!

Para o NED, o respiro! O que nos une como um coletivo! O que nos movimenta!

Pensar uma dramaturgia possível de ser construída em três, dos quatro encontros que teremos, nos exigiu criar procedimentos para que tivéssemos materiais diversos. A proposta era uma grande roda afetiva virtual, para a quebra de um gelo de meses de espera. Assim, talvez, conseguiríamos compreender o antes, o presente e o que estes artistas vislumbravam para o futuro. E assim foi. Inícios de frases completadas com nossas angústias, âncoras e o que mais considerássemos necessário.

Antes de tudo isso começar eu...pensava logísticas de trânsito para vida. Pensava que quanto mais tempo eu ficasse fora da minha casa, mais eu estava construindo algo para o mundo. Eu nunca tinha feito uma reunião online e simplesmente respirava!

Nesse momento, quando eu vivo uma vida que não imaginava, minha âncora é ... família, doces, espiritualidade, dança, corrida, massas, ansiolíticos, café, imaginação!

Quando tudo isso acabar eu...vou dar um mergulho no mar e na vida. Vou viajar, vou ao parque!

Vou ter dificuldade de sair do casulo...

Vou ter que me parir de novo...

 

Você pode repetir? Cortou pra mim.

Vou ter dificuldade de sair do casulo...  Vou ter que me parir de novo...

Perdemos tudo que você falou.

Não ouviram? Virammmmmmm?

Acho que ela entrou na capsula do tempo. Tem um eco.

Saia da reunião e entre novamente.

Vou ter dificuldade de sair do casulo... 

 

Relatos pessoais, misturados a vídeos performáticos, textos, poemas de Carlos Drummond, Wislawa Szymborska, Viviane Mozé!

As vozes e corpos dos artistas, nos atravessaram, para além das perguntas que cada grupo preparou como um disparador para nossa escrita. Os diferentes olhares artísticos nos trouxeram dores, incertezas e novas descobertas do momento caótico em que vivemos.

Você tá congelada.

 

Eu faço tudo pra não pirar.

Vixi...Cadê?

Eu caíiiiiiiiiiiiiiiiiii.

Eu caí algumas vezes. A gente cai e se der, levanta.

Eu caíiiiiiiiiiiiiiiiiii. Caíiiiiiiiiiii. Caíiiiiiiiiii.

Outro eco!

 

Ecos e questionamentos nos fizeram repensar estes dias pandêmicos e traçar possíveis trilhos das nossas escritas para o segundo encontro. Falamos sobre continuidade, rupturas, diferentes realidades. “Como eu tenho a certeza de que a minha realidade é a realidade? “No que se baseia o sentido disso que a gente chama de realidade?...Se essa realidade não passa de disputa de narrativas...em que eu sustento as minhas certezas?...O que me faz decidir o que é certo, errado? Justo, injusto?” Ecos de Rodrigo! Ecos de muitos de nós!

E a solidão destes dias? Qual a solidão de estar vivo numa vida que já morreu?  Pelo que vale a pena viver ou morrer? Ou ainda a pergunta do poema do Drummond “Como pode o homem sentir-se a si mesmo, quando o mundo some?”.

O tempo parou? Se rompeu? O tempo parou pra quem? As rupturas sociais nos fazem crer que o tempo não parou para alguns. A marca da morte do pai por Covid-19. A ruptura do fim. Do fim de um tempo.

É possível, nesta criação dramatúrgica coletiva que o NED almeja, fazer uma narrativa de continuidade, apesar da ruptura de tempo. É possível falar da brusca interrupção das atividades artísticas que todos nós tivemos. É possível mencionar também a ruptura que sofremos com as quedas de conexão dos encontros online.

 

É possí...E...travou...

 

Conversa. Escuta. Provocação e pesquisa na nossa cápsula do tempo. Cápsula da vida. Estreamos com o sentimento de que estamos fazendo algo que nunca imaginamos fazer, mas que, como diz Wislawa em seu poema, vai se transformar pra sempre naquilo que fizemos. No Entreato.

Para o futuro próximo, últimos dias de 2020, ou 2030, talvez, deixo ecos de Karen “Qual será a nossa conduta cotidiana? O que é que vai mover as multidões? Vai continuar sendo o ódio?”

Às 21:00 nos despedimos.

Reunião encerrada.

Computador desligado.

Apesar da sensação de hiato. Da sensação de não movimento. Muita coisa está acontecendo. O tempo todo.

Que Dionísio esteja conosco, virtualmente!

                                                                                           Juliane Pimenta
NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia
16/10/2020 – 16h46

 

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ATELIÊ COLETIVO ONLINE: RELATOS

O texto que você acaba de ler integra a programação do projeto Cenas Centrífugas: Entreato.

Enquanto a segunda edição do projeto Cenas Centrífugas permanece suspensa por conta da pandemia causada pela Covid-19, os grupos convidados se encontram para refletir sobre o teatro no contexto atual e para experimentar possibilidades do fazer teatral no meio digital.

Por meio de relatos textuais, o NED (Núcleo de Experimentos em Dramaturgia) apresenta para o público perspectivas sobre a experiência de realização do Ateliê Coletivo Online. Ao longo dos dois meses de encontros, o Núcleo, que orientará a Cia. do Flores, a Cia. do Tijolo e o Coletivo MENELÃO, produzirá semanalmente um relato sobre essa aventura cênica no campo digital.