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Tradições Caiçaras e Indígenas

Foto: Alberto d’Aurea Sobral Pereira Filho
Foto: Alberto d’Aurea Sobral Pereira Filho

“Verdes mares bravios de minha terra natal”

Este início do célebre romance Iracema, de José de Alencar, logo vem à mente quando se fala da Praia de Boraceia, que separa dois municípios: metade dos seus 9km de extensão pertence a Bertioga, a outra metade a São Sebastião. As areias finas e águas claras, de tom azul esverdeado, são a prova de que as praias do litoral norte de São Paulo não devem em beleza a nenhuma outra região do Brasil. Seus atrativos são muitos: tomar sol entre os coqueiros, mergulho no mar aberto, práticas esportivas ou simplesmente caminhadas. 

Boraceia, porém, é muito mais que apenas uma praia: é também um bairro e uma aldeia indígena. Como fica distante 32 quilômetros do centro de Bertioga, o comércio local consolidou-se de forma independente e diversificada. Os moradores contam com supermercado, lojas diversas e até um mini shopping. Para os turistas, a rede hoteleira e os restaurantes oferecem boa estrutura e variedade. 

 

Quem vem pela rodovia Rio-Santos (SP-55) em direção à São Sebastião, pode começar a explorar Boraceia pelo seu extremo sul, o Canto do Itaguá. Nesta enseada de pedra, como revela o nome em língua tupi, o visitante não encontra apenas belezas naturais, mas também muito calor humano, como aquele de Dona Noêmia e Seu Baiano, que vendem artesanato na própria casa, com as paredes internas completamente revestidas por conchas. Do outro lado da rua, seu Hiroshi oferece pastéis e sorvetes, no quintal decorado por lanternas japonesas, feitas de latinhas de alumínio.

Única praia do município de Bertioga que se estende à beira da rodovia, Boraceia é o cenário privilegiado da cultura caiçara.  A vegetação de jundu está presente em toda a sua extensão: a palavra também vem do tupi e significa “campos sujos”, referência às espécies arbustivas e rasteiras que caracterizam esse ecossistema.

Aqui se mantém a tradição da pesca com canoas, usadas para atirar a rede demarcada por boias. Antigamente seu Doca – apelido de Alcides, caiçara famoso da região – percorria diariamente a praia em busca de cardumes de tainhas, peixe que se reproduz nos manguezais da região. Quando os avistava dava o sinal aos demais pescadores, para o cerco com canoas e redes.

Uma atração à parte em Boraceia é visitar a Terra Indígena do Ribeirão Silveira, área demarcada em 1987 onde vivem, falando a própria língua, cerca de 550 guaranis, divididos em cinco núcleos familiares. Embora próximos da cidade, vivem um mundo diverso. Subsistem da caça, pesca e culturas como milho, mandioca, batata doce e inhame. Coletam frutos e mel, além de matéria prima para a sua arte figurativa, cestaria, adornos, instrumentos musicais, arcos e flechas. Comercializam artesanato e plantas ornamentais.

Na aldeia, o ecossistema está em equilíbrio, as tradições são preservadas. Os mais velhos não falam português, ensinado às crianças na escola indígena Nhembo ‘e’ à porã (“lugar bonito de se aprender”). A visita informa e educa, possibilitando a compreensão de uma realidade diferente.  Quem vê as meninas indígenas amamentando seus bebês pode se chocar, mas irá aprender que ali não vigora o conceito de adolescência. A gravidez que para nós seria precoce é natural para eles.

Em excursões previamente agendadas e guiadas, os visitantes participam das atividades cotidianas da aldeia, inclusive das orações comandadas pelo pajé. Aprendem que, na raiz indígena, Boraceia significa “lugar de muita gente” e também é o nome de uma dança tradicional, acompanhada por chocalhos e manacás.

Conheça mais sobre a Aldeia Rio Silveiras neste vídeo! Ele é parte da série "Guia para se perder em Bertioga", na qual o historiador e guia de turismo Carlos Eduardo de Castro apresenta alguns lugares mais interessantes da cidade, revelando sua importância ambiental e sociocultural.