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Quando a vida de todo artista e de todo ser humano é suspensa

Djin Sganzerla, Eduardo Mossri e André Guerreiro Lopes<br>Foto: Gabriel Chiarastelli
Djin Sganzerla, Eduardo Mossri e André Guerreiro Lopes
Foto: Gabriel Chiarastelli

A EOnline conversou com André Guerreiro Lopes, diretor do espetáculo, "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência", no Sesc Santana de 6 a 22/setembro, baseado em fragmentos dos textos "Um Sonho" e "Inferno", de August Strindberg

Johan August Strindberg é considerado o pai do drama moderno, marcado pelo rompimento da narrativa coerente e linear e por histórias contadas por meio de fragmentos, desvinculadas do princípio da causa e consequência. O dramaturgo sueco foi um homem de muitos talentos e discurso afiado, que se expressava pela escrita jornalística, pintura e fotografia. Multiplicidade de atuação que se reflete tanto na intensidade como na quantidade de sua criação. Nascido em 1849, durante seus 63 anos de vida concebeu 64 peças, intercaladas a livros de poemas e artigos jornalísticos escritos quase diariamente. O escritor foi tema de mostra promovida pelo Sesc em 2012, confira a matéria da EOnline sobre a Mostra Strindberg

O espetáculo "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência" explora visualmente a condição do ser artista e do abandono da zona de conforto em busca do desconhecido. O elenco é composto Helena Ignez, Djin Sganzerla, André Guerreiro Lopes e Eduardo Mossri. A direção e a adaptação é de André Guerreiro Lopes.

A EOnline conversou com o diretor, confira a seguir os principais trechos.

EOnline: O dramaturgo Johan August Strindberg era mal visto em seu país (Suécia) devido ao teor agressivo de sua escrita. Nessa mesma linha, para você, quais dramaturgos brasileiros podem ser considerados gênios incompreendidos? Qual a influência deles na sua formação como diretor e ator?
André Guerreiro Lopes: Todo grande autor causa incômodo, por colocar o dedo na ferida, por desmascarar a verdade, ou por expandir nossa forma de percepção pela ousadia da linguagem. Na minha formação todos os grandes foram importantes, Jorge Andrade, Plínio, Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho), Nelson (Rodrigues). Hoje, Francisco Carlos me instiga muito. Mas a dramaturgia que mais me interessa no momento é a desenvolvida em sala de ensaio, durante o processo de criação do espetáculo, com cada área se contaminando mutuamente em uma relação horizontal: o texto como um elemento tão importante quanto os outros que compõem a totalidade da arte teatral. Um ideia talvez seja melhor expressa por ações ou pelo espaço do que pelo texto, em outro momento talvez nada se compare ao poder de síntese e à força imagética da palavra, e assim por diante. E a fala também pode ser pensada como música. É interessante explorar o que seria a dramaturgia do texto, a dramaturgia do ator, a dramaturgia da ação, do espaço, da luz, etc.

EOnline: A primeira versão do espetáculo "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência" foi criada para a Mostra Strindberg, em 2012. Como surgiu a ideia de representar obras emblemáticas desse gênio incompreendido?
A. G. L.: 
Fui convidado pela Mostra Strindberg a remontar "Um Sonho", peça que dirigi em 2007, minha primeira investida na direção. É um autor que me interessa muito. Mas "Inferno", que não é um texto teatral, é para mim sua obra mais incrível. É um livro imperfeito, bruto, inquieto, inclassificável. O que é "Inferno"? É um diário, porém ficção. É autobiográfico, mas não confiável. É também um livro ensaio, com textos sobre seus experimentos de alquimia e ocultismo.  É um relato de uma mente doente, torturada. É uma jornada também espiritual, de libertação. É critico, cínico, estranho, exagerado, trágico, assustador, engraçado, poético. Propus um espetáculo performático explorando cenicamente o universo "Inferno", com fragmentos do "Sonho", e a mostra topou.

Foi esse o primeiro experimento, que deu vida ao espetáculo que estreia agora no Sesc Santana. Trago "Um Sonho" por diversas razões. A principal é que Strindberg nunca o teria escrito se não fosse a 'crise inferno'. É como se o que viveu em "Inferno" tivesse provocado uma abertura mental no autor, uma metamorfose, de onde nasce esse Strindberg interessantíssimo, expressionista, explorando distorções do tempo e do espaço, pai do teatro moderno. Outra razão é que "Um Sonho" também é autobiográfico, lendo "Inferno" você entende a gênese de diversas cenas, situações e discussões presentes em "Um Sonho", então me interessou muito esse entrecruzar das obras. E, finalmente, porque o espetáculo também é minha alquimia, é uma forma de eu também colocar tudo em cena e repensar meu trajeto artístico, minhas buscas, de onde vim e para onde vou, portanto era fundamental colocar em cena fragmentos, estilhaços da minha primeira direção.

EOnline: O povo brasileiro, às vezes, é considerado como um povo de fé que busca em Deus (ou se preferir no sentido oculto das coisas) explicações para os diversos questionamentos da vida. Como foi o processo de adaptação e mescla das obras "Inferno" e "Um Sonho" para esse público?
A. G. L.: Independentemente de fé, crenças ou religião, acredito que todo ser humano, de forma consciente ou inconsciente, em algum momento é acometido por uma inquietação profunda em relação ao sentido da própria existência. É uma intuição que pode surgir de uma experiência trágica como a perda de um parente, ou em momentos absolutamente prosaicos, como ao observar uma formiga... As velhas perguntas, o que é a vida, o que é a morte, quem sou eu, qual o sentido de tudo isto, são perguntas do ser humano. Strindberg é invadido por estas questões nesta jornada radical, que inclui surtos de paranóia, obsessões e uma sede por revelar o sentido oculto das coisas, revelar o que há por trás do cotidiano, da natureza. Ele percebe, com sofrimento, que a grande desordem é a própria natureza da vida, mas aos poucos intui que nestas fissuras da realidade existe o que ele chama de uma coerência infinita, invisível mas perceptível, e isso o apazigua, isso trás para ele de volta a vida. E acho isso belíssimo, digno de justificar o esforço coletivo que é a criação de um espetáculo teatral.

EOnline: Em "Inferno", Strindberg relata os surtos, as crises psicológicas, o abandono da família e da criação artística em prol da alquimia e à busca do sentido oculto das coisas. O que instigou você a transpor uma obra internacional tão densa?
A. G. L.: É uma obra densa de vida, complexa, às vezes patética, como a vida é. Pasolini escreveu que o "Inferno" de Strindberg “não é um livro, não é vivido pelo leitor como um livro, mas uma experiência”. E para mim foi exatamente isso, ler o livro foi uma experiência física, psíquica, um turbilhão de imagens, que me gerava uma extrema excitação, ativava minha energia, era muito difícil ficar sentado após cada leitura. É isso que me motivou.

EOnline: O espetáculo explora o abandono da zona de conforto em busca do desconhecido. O que o público pode esperar do "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência"?
A. G. L.: Um espetáculo inquieto, um mosaico visual e sonoro que explora justamente esse momento de suspensão da vida de todo artista e de todo ser humano: quando as respostas não estão claras, quando há na nossa frente o medo e a extrema excitação pelo desconhecido. O espetáculo é uma grande engrenagem, uma máquina de som, luz, ações e palavras, às vezes emocionante, às vezes cômica e muito dinâmica, como se tudo fosse controlado pela “mão do invisível”, expressão que o próprio Strindberg descreve como sendo a força que o impele em sua jornada. E o prazer de ver em cena o encontro de artistas incríveis como Helena Ignez, Djin Sganzerla, Eduardo Mossri e, ao vivo, o músico Gregory Slivar.

o que: O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência
quando:

de 6 a 22/setembro

SEX e SÁB às 21h, DOM às 18h

onde:

Sesc Santana

ingressos:

R$ 24,00 [inteira]
R$ 12,00 [usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino]
R$ 4,80 [trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes]