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Corpo, encontros, cidade
Entre 5 e 12/setembro, a cidade paulista de Santos recebe a oitava edição da Bienal Sesc de Dança
A Bienal Sesc de Dança 2013 apresenta 22 espetáculos, entre eles cinco internacionais, oito intervenções, uma instalação, duas exposições e atividades formativas. Esta edição celebra os 20 anos do Grupo Cena 11 Cia. de dança, apresentando ao público suas três criações mais recentes. Os ingressos para os espetáculos estão à venda, desde o dia 17/8/2013, na Rede IngressoSesc e também pela internet.
O site da Bienal trará uma cobertura nada convencional da programação. O conectivo 7x7 foi convidado para esta tarefa. “O 7x7 é um projeto de política comunicacional contemporânea. No 7x7, análises críticas e poéticas de dança são feitas exclusivamente por artistas, por meio de textos, imagens still ou audiovisuais”, conta a coreógrafa, especialista em transmídia pós-colonial, Sheila Ribeiro | dona orpheline, que desenhou o projeto em 2009. “Basicamente, o que o 7x7 procura é: o artista escreve sobre outro artista de maneira artística, simples assim!”, complementa.
A EOnline conversou com Sheila para desvendar o trabalho do 7x7 durante a Bienal. Os principais trechos da conversa, feita por chat, você confere a seguir:
EOnline: O que é o 7x7?
Sheila Ribeiro|dona orpheline: O 7x7 é um projeto de política comunicacional contemporânea, desenhado por mim, que sou coreógrafa, especialista em transmídia pós-colonial. No 7x7, análises críticas e poéticas de dança são feitas exclusivamente por artistas, por meio de textos, imagens still ou audiovisuais. Nossos interlocutores são artistas com mestrado nas áreas de curadoria, performance e crítica. Desde 2009, o 7x7 cobre apresentações, mostras, festivais e temporadas.
O projeto surgiu do desejo de estimular as reverberações dos trabalhos, fomentar discussões, anestesiar as polaridades e valorizar a voz compartilhada e conectiva. É um desejo de desfrutar, de ver acontecer, de causar; já que acontece, a cada texto, um namoro de (pelo menos dois) mundos de pesquisas artísticas que se cruzam.
Em "conflitos saudáveis", o 7x7 transpassa as estéticas e as relações. No curto prazo, promove obras, artistas e programadores; vincula e estimula reflexão, redes e vínculos rizomáticos. No médio, as críticas produzidas fomentam a área mantendo e desdobrando elos entre dança, arte contemporânea, jornalismo e curadoria e também estimulando colaborações. No longo prazo, as redes criadas pelo 7x7 impulsionam continuidade, imprimindo história, patrimônio e arquivo.
O 7x7 trabalha de maneira teórico-prática contribuindo para o desenvolvimento da área de maneira transnacional e na recente democracia ornitorríntica do Brasil. É uma ação comunicacional (de ordem artística e política) que acompanha as mutações da cultura brasileira, contribuindo para um jornalismo horizontal, democrático, republicano, plural, especializado e de excelência humanista. O 7x7 quer fazer sentido vital pra quem faz e para quem lê.
EOnline: Como será a atuação do 7x7 na Bienal Sesc de Dança 2013?
S. R.|d. o.: O trabalho será dividido em duas fases. Os artistas-interloculores escreverão textos relacionados à Bienal e aos trabalhos de dança nela apresentados, ao mesmo tempo em que convidarão outros artistas para escreverem sobre o que viram. Os textos da equipe do 7x7 serão publicados durante a Bienal. Os textos dos outros artistas serão publicados semanalmente, durante 6 meses. Todos os textos serão bilíngues, em sua maioria em português e em inglês, mas nem sempre o inglês será a segunda língua.
EOnline: Como é(são) o(s) processo(s) de trabalho do projeto?
S. R.|d. o.: Nós nos encontramos e criamos redes e relações que saem dos próprios textos e obras. Buscamos detectar, em primeira instância, se o texto e o artista que o escreveu estão ali. O que a gente tenta diluir e desviar é toda e qualquer forma de museificaçao do pensamento-sentimento crítico. Nosso principal trabalho é refletir, colocar em questão, de maneira a detectar coisas vitais e a contribuir para que o artista que escreveu esteja mais próximo de seu fazer artístico.
Fora isso, buscamos conectar tudo o que vincula aquele texto ou artista: sua cidade, seus pares, sua rede etc. Trabalhamos tentando reverberar; o contrário da burocracia.
EOnline: Você comentou sobre buscar “detectar, em primeira instância, se o texto e o artista que escreveu estão ali”, como é isso?
S. R.|d. o.: É, no fundo, muito simples. O Brasil, e, portanto, seus moradores passaram por vários processos de violência, dos quais resultou um traço de complexo de inferioridade, coisa que se perpetua em diversas relações. Ainda em 2013, no nosso caso específico, percebemos isso quando um certo tom que poderia ser legitimado aparece. Por exemplo, as citações. Uma coisa é quando uma citação integra o pensamento poético ou teórico ou pensamento (ponto!) de algum artista; outra coisa é quando, se aquela citação não existir, o texto e a fala perdem credibilidade, legitimidade.
Assim, se eu for assistir ao trabalho do Cristian Duarte, o The Hot One Hundred, por exemplo, e sentir que no saber dele ele brinca muito e quiser escrever isso, posso escrever: "Como brinca, o Cristian Duarte, ao dançar". Isso é 7x7. Agora, também posso escrever: "O jogo, no corpo contemporâneo, é um traço do homo-ludus, que segundo Sheila Ribeiro, é o ser humano que detém as funções do brincar". Isso pode ser um texto, mas não é 7x7.
Ou seja, se você é punk, você cospe e essa é sua arte. Você vai escrever uma letra que diz "foda-se o sistema" e não "o capitalismo, enquanto sistema organizacional...". Se você é um reggaeman, vai escrever "no problem | jah rastafari" e não "o uso do cannabis ativa, promove nas reações cerebrais, nuances de alteridade...".
Então, basicamente, o que o 7x7 procura é: o artista escreve sobre outro artista de maneira artística, simples assim!
EOnline: Qual a relação do 7x7 com a dança?
S. R.|d. o.: Organizo o projeto desde 2009, ocasião em que cobri o Festival Contemporâneo de Dança (São Paulo) e convidei os primeiros artistas escritores que viriam a fazer parte do 7x7: Bruno Freire, Rodrigo Monteiro e Arthur Moreau. Em 2010, o projeto incorporou o Panorama de Dança (Rio de Janeiro), com a curadoria de Arthur Moreau. Em 2011, o projeto cobriu, com a entrada da colaboradora Gisele Nallini, cinco festivais em três diferentes Estados: Panorama de Dança (RJ), Festival Contemporâneo de Dança (SP), Panorama Sesi de Dança (SP), Olhares Sobre o Corpo (MG) e Fórum Internacional de Dança (FID – MG).
O projeto até hoje produziu mais de 56 críticas, envolvendo cerca de 122 artistas (entre críticos e criticados) de dez países diferentes, em português e inglês. Atualmente, dois outros artistas integram o 7x7: Laura Bruno e Wagner Schwartz (convidado esporádico). As críticas estão disponíveis no site seteporsete.net.
O 7x7 é uma vontade de instigar e reverberar uma rede comunicacional imaterial, sinérgica e transnacional, além de produzir textos críticos-poéticos sobre, para, com e em torno da dança contemporânea e de seus artistas.
EOnline: Em sua primeira resposta, você colocou que é especialista em "transmídia pós-colonial". Você poderia falar mais sobre isso.
S. R.|d. o.: Ser uma artista transmídia significa que eu não opero por áreas e segmentos e que, inclusive, eu não acredito nelas. Não significa "cruzamentos", porque para cruzar quer dizer que ainda existem dimensões fixas do que é dança, teatro etc.; dimensões que "definem" o que cada coisa é e que quando a gente cruza, cria-se uma terceira coisa.
Eu trabalho transpassando as coisas, os elementos e seus ingredientes; fazendo sentido nessas conexões que se formam durante uma navegação. Capturando fragmentos, microcosmos dessas realidades, dessas experiências. Por isso, um artista transmídia, passa e perpassa mídias, sejam elas quais forem.
Sobre o pós-colonial, não gosto muito mais desse termo, mas é pra enfatizar que gosto de trabalhar nos ambientes onde a infraestrutura "tem, mas acabou". Porque esse ambiente não é o mesmo daqueles que não têm, ou dos que têm e têm mesmo. Ou seja, as certezas, em lugares como o Brasil, são bem mais parciais, e as coisas não são o que aprecem ser.
EOnline: Na mesma resposta, você falou sobre a “democracia ornitorríntica do Brasil ", o que quis dizer com isso?
S. R.|d. o.: Gostamos de criar conceitos, novas palavras e desviar as coisas. Vou passar uma referência para explicar melhor, uma citação sobre o livro “Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco”, de Francisco de Oliveira:
"Três décadas depois, a obra de Chico de Oliveira continua sua busca pela intersecção permanente entre a política, a economia e a sociedade brasileira e seus conflitos. Foi assim que ele promoveu a atualização de sua Crítica, escrevendo O ornitorrinco, nome que deu ao Brasil de hoje, sob o signo de Darwin: "altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo, dunque nenhum resíduo pré-capitalista; ao contrário, um forte agrobusiness. Um setor industrial da segunda Revolução Industrial completo, avançando, tatibitate, pela terceira revolução, a molecular-digital ou informática. (...) Mas esta é a descrição de um animal cuja `evolução` seguiu todos os passos da família! Como primata ele já é quase Homo sapiens! Parece dispor de `consciência`, pois se democratizou há já quase três décadas. Falta-lhe, ainda, produzir conhecimento, ciência e técnica: basicamente segue copiando, mas a decifração do genoma da Xylella fastidiosa mostra que não está muito longe de avanços fundamentais no campo da biogenética; espera-se apenas que não resolva se autoclonar, perpetuando o ornitorrinco". (Fonte: Boitempo Editorial)
"Esse bicho, que não é isso nem aquilo – um animal improvável na escala da evolução”, foi a forma encontrada por Chico para qualificar a espécie de capitalismo gerado no Brasil e que não dá mostras de mudança; no mesmo momento em que o Partido dos Trabalhadores chega à Presidência da República”. Então, o Brasil é uma coisa "torta" de sua cultura, vem sendo comparada a um ornitorrinco muitas vezes, que é essa coisa estranha, que dá certo, mas dá errado; que dá errado, mas dá certo. No fundo, isso talvez seja uma beleza dessa cultura, ou ainda, no fundo, é o pior dessa cultura, ou ainda, no fundo, não interessa. Ou seja, essa incógnita que essa cultura nos possibilita é parte fundamental do 7x7.
o que: | Bienal Sesc de Dança 2013 |
quando: |
de 5 a 12/setembro |
onde: |
Na foto, Bruno Freire escreve sobre Sheila Ribeiro e Elieson Pacheco em Legenda Diet na Bienal de Santos (2009).