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Quando a arte encontra a loucura

Crédito: Divulgação
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Imagine como seria ouvir frequentemente vozes ecoando e murmurando ordens, perder a noção da realidade, o controle das vontades, ter momentos de delírios com uma mistura de palavras sem coerência, e ficar apático emocionalmente. Todas essas manifestações são sintomas de quem sofre de esquizofrenia, um transtorno mental que, segundo o Dr. Mário Louzã, coordenador do Programa de Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, pode manifestar-se no final da adolescência ou no início da idade adulta, em qualquer um. 

Além de lidar com a complexidade da doença, o esquizofrênico enfrenta o sentimento de exclusão, gerado pelo preconceito social em torno de seu distúrbio. No século XIV, época da Renascença, as pessoas consideradas loucas eram frequentemente colocadas em barcos ou navios e enviadas para cidades distantes, em busca da razão. “Além do isolamento, eram aplicadas terapias que faziam uso do choque térmico, através da imersão em água quente e fria; e de estímulos elétricos, de acordo com o quadro clínico os pacientes”, comenta Louzã. Essas medidas eram consideras paliativas, frente aos sintomas das doenças mentais.

Somente após o reconhecimento da psiquiatria como especialidade médica e o surgimento das medicações, os distúrbios mentais passaram a ser considerados doenças graves. “Com essas mudanças, as internações passaram a ser feitas em casos muito específicos e por um tempo curto”, explica o médico. Segundo ele, essas recentes modificações nos tratamentos psiquiátricos, que aconteceram entre os séculos XVIII e XX, permitiram o maior controle dos sintomas da esquizofrenia e a inserção social dos pacientes.

Mesmo com a evolução no tratamento das doenças mentais, ainda há um estigma em relação aos hospitais psiquiátricos e seus internos. A loucura é, para a ciência e para a sociedade, um mistério a ser desvendado. Mistério que levou o diretor português Jorge Pelicano a mergulhar no universo da esquizofrenia e produzir o documentário Pára-me de Repente o Pensamento. O filme faz um registro poético da rotina de pacientes com transtornos mentais que vivem no Centro hospitalar Conde Ferreira, em Portugal. “Eu queria entrar dentro de um hospital psiquiátrico, eles são locais desconhecidos, e isso me atrai”, afirma.

Após oito semanas de filmagem, Pelicano e sua equipe retrataram o cotidiano de pacientes esquizofrênicos, com a ajuda do ator Miguel Borges, que provocou a realidade ao montar um espetáculo de teatro encenado pelos doentes. Para o diretor, o trabalho de Borges permitiu que os internos falassem o que sentiam em um ambiente considerado hostil. “Lá dentro vi que há muito amor entre as pessoas, mesmo vivendo em um cenário e um contexto muito duro”, explica.

Durante a narrativa é possível conhecer histórias de pacientes como Alberto, dono de uma gargalhada contagiante, que de maneira inteligente desenvolve diálogos engraçados. Ele faz dupla com o Sr. Abreu, um teórico conhecedor de todas as patologias psiquiátricas. Há também Zé Pedro, que gosta de filosofar. “Cada um deles, com as suas vidas e personalidades nos ajudam a compreender o misterioso mundo da esquizofrenia”, conta Pelicano.

O filme foi o resultado do meu olhar e do que achei importante partilhar com o público”. Segundo o diretor, um dos objetivos do documentário é desmistificar os estigmas em torno das doenças mentais e dos hospitais psiquiátricos, que ao longo do tempo se mantiveram sempre fechados ao exterior; além de mostrar as pessoas, explorar universos desconhecidos e desenvolver trabalhos que possam contribuir para o cinema e sociedade.

DOCUMENTÁRIO: PÁRA-ME DE REPENTE O PENSAMENTO
Direção: Jorge Pelicano
Classificação: 12 anos
Dia 03, meia-noite
Assista em www.sesctv.org.br/aovivo