Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

Olhares de Bertioga

Making of de
Making of de "Entre a Serra e o Oceano"

O Lab_Cine do Sesc Bertioga, há 2 anos vem fomentando entre jovens e adultos de Bertioga um despertar para o fazer cinematográfico. Apresentamos aqui uma retrospectiva das vivências nos cursos 'Olhares de Bertioga' através da análise do produtor, educador e documentarista Fernando Pereira dos Santos.

 

por Fernando Pereira dos Santos

Pode um filme revelar uma cidade, um bairro, uma rua e a vida de seus moradores de maneira mais humanizada? Pode o cinema construir mapas e territórios? Pessoalmente acredito que sim. Como mediador de um processo de formação realizado durante dois anos em parceria com o Sesc Bertioga, Sendero Filmes e CRAS, essa questão foi recorrente para mim. 

Ao longo do curso “Olhares de Bertioga”, dentro do projeto Lab_Cine Sesc Bertioga, o propósito de cada novo grupo que se formou entre jovens e adultos foi o de produzir um curta metragem abordando diferentes facetas da cidade, suas problemáticas, singularidades e universalidades.

A cada turma, demos início a uma cartografia sócio-afetiva de Bertioga, localizando algumas vivências individuais dentro de seu mapa urbano (que em princípio é frio e estático), e colocando-o em movimento a partir de histórias de vida com forte relação com os territórios onde se inserem e se manifestam. 

Desse modo, partimos de referências audiovisuais e questões concretas que afetam a realidade cotidiana desses jovens e adultos, como assédio contra as mulheres, juventude e desemprego, migração e falta de acesso à moradia, poluição e meio ambiente, desigualdade sócio-espacial, especulação imobiliária etc. Além disso, discutimos muito sobre como narrar a cidade de Bertioga de uma perspectiva afetiva, subjetiva, ao mesmo tempo, social, crítica e reflexiva. 

O processo de realização das obras ocorreu de maneira coletiva e colaborativa, alguns desses temas foram aprofundados, passando por relatos de experiências pessoais de cada participante e pesquisas de campo. Em outros encontros, fizemos um trabalho de sensibilização e apropriação das técnicas de cada área que compõe o cinema: pesquisa e roteirização, direção de fotografia, áudio, produção, edição etc.   

As obras realizadas até o momento conformam um conjunto de olhares muito singular, são narrativas contadas de uma perspectiva de quem vive os processos relatados, e que por meio do cinema encontram formas de elaboração e expressão de uma realidade concreta e, também, criativa do cotidiano. Esse exercício do olhar junto à câmara e a feitura dos filmes acabam mobilizando uma apropriação abstrata, político-cultural, de um determinado espaço, nos oferecendo a noção de território. Os jovens e adultos que realizaram esses curtas metragens de algum modo exerceram também uma territorialidade pelos seus filmes, emitindo discursos dissidentes de uma visão institucional da cidade em que vivem.    

Juntos, percebemos que o alcance destas ações dentro do Lab_Cine vem fomentando um forte senso de reflexão identitária e engajamento social nos mais de 80 jovens e adultos que participaram dos processos formativos. Entendo que essa força de mobilização individual e coletiva já existia antes, e que o cinema tornou-se uma plataforma de encontro e um catalisador na ampliação de outras perspectivas de olhar e narrar a cidade de Bertioga.


*Fernando Pereira dos Santos faz parte da Sendero Filmes e é produtor, educador e documentarista. Dirigiu o média metragem "Mapuche: Gente da Terra" (2012), e também os curta metragens "Admiração de João Garganta" (2016) e "Sonho de Obsidiana" (2020), que estreou na 11ª Bienal de Berlim. Produziu "Fabiana" (2019) e atualmente produz os documentários "Babylon" e "Samuel e a luz", além de seu primeiro longa metragem como diretor, "¡Seremos ancestrales!".