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Sesc Bom Retiro realiza 2ª Edição do projeto "Esporte, Corpo e Diversidade" com o curso "Combate ao Racismo nas Práticas Esportivas"

Entre 23 de setembro e 11 de novembro, o Sesc Bom Retiro realiza a 2ª Edição do projeto "Esporte, Corpo e Diversidade" com o curso online que tem como tema o "Combate ao Racismo nas Práticas Esportivas". Serão abordados temas como: presença afrobrasileira no esporte, representatividade e equidade nas práticas esportivas, racismo estrutural, imaginário de raça e a colonialidade no esporte, esporte e multiculturalismo, ciência da raça, participação negra nos jogos olímpicos, racismo e branquitude (opressão e privilégios), educação antirracista e diversidade no esporte.

O curso trará abordagens históricas e contemporâneas sobre o racismo nos esportes. "Serão questões atuais envolvendo esse tema, sem deixar de abordar aspectos históricos ou teóricos. Oferece um panorama do fenômeno em várias modalidades esportivas ao mesmo tempo em que aprofunda a reflexão", explica Marcel Tonini, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), e o mediador dos oito encontros.

Para Maira Brochado Ranzeiro, atleta e convidada do projeto, o curso tem um papel muito importante, principalmente quando se fala em protagonismo negro e reafirmação de potência da pessoa negra: “Quando os educadores têm essa visão, de protagonismo negro e antirracista, eles conseguem passar isso para as pessoas que estão ali aprendendo, para pessoas negras conseguem reafirmar a potência que é uma pessoa negra e pessoas não negras conseguem ter cada vez mais uma visão antirracista. É extremamente importante que os educadores, essas pessoas que estão ensinando, que estão passando conhecimento, tenham esta visão tanto de protagonismo negro quando uma visão antirracista, então eu acho este curso extremamente importante e potente”.

REPRESENTATIVIDADE

Para Tonini, a questão da representatividade, considerando a presença de pessoas negras para além dos campos e quadras esportivas é fundamental: "Três medidas importantes são: profissionalizar a gestão esportiva, oferecer acesso aos negros em cargos diretivos e financiar movimentos sociais que combatem o racismo". Os encontros serão espaços para reflexões sobre o fenômeno do esporte, o corpo e o respeito à diversidade, abordando valores, visões, desafios e formas de atenção para uma atuação mais sensível, potente e educativa dos profissionais ligados ao Esporte e à Educação Física no combate ao racismo.

Ranzeiro vai participar do terceiro encontro e abordará a “Presença Afro-brasileira no esporte”: "Tenho recebido convites para protagonizar e estar falando sobre como é uma negra no esporte, como eu conquistei estes espaços e a maioria dos convites, são de verdade, com intenções antirracistas, com atitudes antirracistas, valorizando mesmo o fato deu ser uma mulher negra. Então, eu percebo que está acontecendo esta mudança sim de visibilidade, que as pessoas estão cada vez mais mobilizadas a mostrar o protagonismo negro também nos esportes, devido a todo este movimento que vem acontecendo”.

O curso será realizado através da Plataforma Microsoft Teams e as inscrições estão abertas (pelo site inscricoes.sescsp.org.br). Trata-se de uma série de encontros bastante oportuna para amplificar a discussão sobre o assunto: "Todos são responsáveis por lutar contra o racismo. Aos cidadãos, cabem práticas antirracistas; aos jornalistas, o dever social e a responsabilidade profissional de denunciar e investigar casos de racismo", explica Tonini, que desenvolveu trabalhos sobre profissionais negros no futebol.

“Eu acredito que o papel dos educadores, de pessoas antirracistas neste contexto é de ter, primeiro,consciência de que são pessoas racistas em desconstrução. Tem muita coisa enraizada desde a colonização, então é muita coisa para desconstruir, a primeira coisa é a consciência. Entender que muito provavelmente a pessoa está sim reproduzindo atitudes, comportamentos, pensamentos racistas”, explica Maira Ranzeiro que foi a primeira atleta negra a ser campeã de Tênis de Mesa, aos 15 anos.

Maira se diz esperançosa com o futuro da questão racial no Brasil e no mundo: “Eu vejo que, cada vez mais, nós pessoas negras estamos ocupando o espaço que sempre foi nosso, cada vez mais falando por nós, porque isso é muito importante, que nós falemos por nós. Então a gente já tá conseguindo construir uma sociedade diferente, crianças já estão tendo referências negras, referências femininas positivas, já conseguem se ver de uma forma positiva, por que já tem referências negras positivas”, completa. Considerando o esporte, as instituições esportivas e educativas como importantes espaços para promoção do desenvolvimento humano e transformação social, os oito encontros abarcam a seguinte programação temática:

SOBRE AS PESSOAS CONVIDADAS
Ellen Valias: criadora do coletivo "Rachão Basquete Feminino" e do canal "Atleta de Peso" nas redes sociais, nos quais milita sobre a importância do acesso ao esporte pela comunidade negra e gorda. Junto com Vanessa Joda, do coletivo "Yoga para todos", atua no combate à gordofobia.

Maira Brochado Ranzeiro: primeira atleta negra a ser campeã brasileira de tênis de mesa aos 15 anos. Escritora, percussionista, compositora e escritora.

Marcel Diego Tonini: Doutor e mestre em Ciências Sociais pela Universidade São Paulo, sendo bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UNESP (Araraquara).

Marcelo Carvalho: Diretor do "Observatório da Discriminação racial no futebol" e palestrante na área de combate ao racismo no futebol.

Mário Lúcio Costa Duarte (mais conhecido como Aranha): Goleiro de futebol aposentado, com passagens pelas equipes da Ponte Preta, Avaí, Atlético Mineiro. Colunista do canal UOL Esporte sobre racismo e desigualdade social.

Neilton de Sousa Ferreira Junior: Doutorando pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências do Esporte pela mesma instituição. Graduado em Educação Física pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Stella Zagatto Paterniani: Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, com período sanduíche na Universidade de Cape Town, na África do Sul. Mestra em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas, onde também realizou a graduação em Ciências Sociais.

Raphael Henrique Martins: Homem negro e trans, fundador do coletivo "Meninos Bons de Bola".

ESPORTE CORPO E DIVERSIDADE
De 23/9 a 11/11/2020
Quartas, das 19h às 21h
Grátis. 18 anos.
Inscrições de 9 a 16/9, a partir das 14h em inscricoes.sescsp.org.br


As aulas acontecerão pela plataforma Microsoft Teams. Os encontros serão gravados e publicados posteriormente nas redes sociais do Sesc Bom Retiro.

ENTREVISTA MAIRA BROCHADO RANZEIRO

COMO VOCÊ VÊ A REALIZAÇÃO DE UM CURSO COMO ESSE VOLTADO A EDUCADORES E TENDO COMO MOTE O COMBATE AO RACISMO NAS PRÁTICAS ESPORTIVAS?
Eu acho extremamente importante esse curso com foco ao combate ao racismo nas práticas esportivas porque os educadores tem um papel muito importante para as pessoas a quem elas estão ensinando: de influência. Então, quando os educadores tem essa visão, de protagonismo negro e uma visão antirracista, eles conseguem passar isso para as pessoas que estão ali aprendendo com eles, para pessoas negras conseguem reafirmar a potência que é uma pessoa negra e pessoas não negras conseguem ter cada vez mais uma visão antirracista. Então é extremamente importante que os educadores, essas pessoas que estão ensinando, que estão passando conhecimento, tenham esta visão tanto de protagonismo negro quando uma visão antirracista, então eu acho este curso extremamente importante e potente.

PENSANDO NA SUA RELAÇÃO COM O ESPORTE, NA PRÁTICA DE ATIVIDADES FÍSICAS, VOCÊ PERCEBE MUDANÇAS NA VISIBILIDADE DESSE TEMA? SE SIM, QUAIS?
Eu percebo sim uma mudança. Eu entendo que o esporte é um dos locais que estão tendo reflexo por esta mudança que está acontecendo no mundo, no Brasil, de pessoas negras cada vez mais ocupando seus espaços, nossos espaços, as mulheres negras também. Isto também se reflete no esporte, eu tenho recebido algumas propostas para falar sobre o papel da mulher negra nos esportes, do protagonismo,de uma entidade, do Tênis de Mesa, que tem o interesse de ter uma visão menos racista sim. Também recebi alguns convites. Mas a gente precisa entender que tem muita coisa que precisa melhorar e quando as pessoas querem ser antirracistas, precisam ter atitudes de fato antirracistas, tomar cuidado, pois às vezes a atitude que se diz antirracista está cheia de racismo. Mas eu vejo que este movimento está acontecendo também no esporte e, desta forma, eu tenho recebido convites para protagonizar e estar falando sobre como é uma negra no esporte, como eu conquistei estes espaços e a maioria dos convites, são de verdade, com intenções antirracistas, com atitudes antirracistas, valorizando mesmo o fato de eu ser uma mulher negra. Então, eu percebo que está acontecendo esta mudança sim de visibilidade, que as pessoas estão cada vez mais mobilizadas a mostrar o protagonismo negro também nos esportes, devido a todo este movimento que vem acontecendo.

QUAL VOCE ACREDITA SER O PAPEL DE EDUCADORES/AS E PESSOAS ANTIRRACISTAS NESSE CONTEXTO?
Eu acredito que o papel dos educadores, de pessoas antirracistas neste contexto é de ter primeiro consciência de que são pessoas racistas em desconstrução, tem muita coisa enraizada desde a colonização, então é muita coisa para desconstruir. A primeira coisa é a consciência. Entender que muito provavelmente a pessoa está sim reproduzindo atitudes, comportamentos, pensamentos racistas. Então a pessoa ter consciência e ter vontade de mudar e ser uma pessoa racista em desconstrução, uma pessoa antirracista. Aí são atitudes, em colocar a pessoas negra em protagonismo, chamar a pessoa negra para o lugar que a pessoa branca também está ocupando, devido aos privilégios. Então colocar a pessoa negra como igual, entender que é de muito dar uma licença, de deixar a pessoa ocupar o seu lugar de privilégio. Muitas vezes as pessoas não negras estão em determinados lugares, determinados cargos, simplesmente por privilégio. Então entender isso e aproveitar este privilégio para chamar outras pessoas para ocupar estes espaços de poder também, entender que precisa accntecer uma alternância de poder. As pessoas antirracistas, as pessoas não negras, precisam parar de ter medo, de ceder, de dar espaço de poder para pessoas negras, não só caridade. O que acontece muito, às vezes a pessoa ajuda de caridade. É mais do que isso, é trazer a pessoa negra para o espaço de poder. Aproveitar este privilégio e trazer esta pessoa negra junto para este espaço de poder, acho que este é um dos papeis das pessoas que estão engajadas nesta luta antirracista.

COMO VOCÊ IMAGINA O FUTURO DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL E NO MUNDO?
Eu tenho muita esperança com esta questão racial no Brasil e no mundo no futuro. Eu vejo que, cada vez mais, nós pessoas negras estamos ocupando o espaço que sempre foi nosso, cada vez mais falando por nós, por que isso é muito importante, que nós falemos por nós. Então a gente já está conseguindo construir uma sociedade diferente, crianças já estão tendo referências negras, referências femininas positivas, já conseguem se ver de uma forma positiva, porque já tem referências negras positivas. Então eu tenho muita esperança no futuro, eu entendo que o que a gente está plantando hoje, é o futuro também das pessoas que vieram antes, e a gente também está plantando para as pessoas que vierem depois, essas crianças, essa nova geração também já está vindo com mais consciência, porque a nossa geração está tendo mais consciência, estão tendo pessoas não negras chegando junto na luta querendo também mudar. Eu tenho muita esperança que a questão racial no Brasil vai melhorar sim, que as pessoas negras vão cada vez mais, que a gente vai ter mais consciência da beleza da nossa ancestralidade e ocupar cada vez mais os espaços, cada vez mais protagonizar, e essas pessoas não negras também, cada vez mais aliadas a esta luta, cada vez mais se descontruindo. Isso é muito importante, o que a gente faz hoje é reflexo do futuro, eu vejo que estamos caminhando sim. Acredito que a questão racial no futuro vai ser cada vez melhor.

ENTREVISTA COM MARCEL TONINI

O QUE ESPERAR DO CURSO?
Trata-se de um curso sobre combate ao racismo nas práticas esportivas. Debate as questões atuais envolvendo esse tema, sem deixar de abordar aspectos históricos ou teóricos. Oferece um panorama do fenômeno em várias modalidades esportivas ao mesmo tempo em que aprofunda a reflexão. Enfim, acredito que o público aprenderá bastante e ficará com vontade de continuar os estudos ao final dos oito encontros.

COMO COMBATER O RACISMO NAS PRÁTICAS ESPORTIVAS?
Essa complexa discussão passa sem dúvida pela ação de vários agentes que compõem o universo esportivo, dos atletas, passando pelos dirigentes até o público. A reeducação é importante, mas, a meu ver, não é suficiente. Precisamos, de um lado, de ação coletiva para fortalecer as lutas individuais de atletas e, de outro, de ações afirmativas que garantam mudanças na estrutura desse universo.

DIRIGENTES ESTRANGEIROS PROMETERAM ENDURECER MEDIDAS CONTRA O RACISMO, COMO DIRIGENTES BRASILEIROS PODEM AGIR?
Ouvimos essas promessas há pelo menos duas décadas, mas não vemos mudanças reais. Os dirigentes brasileiros conseguem ser ainda piores. Três medidas importantes são: profissionalizar a gestão esportiva, oferecer acesso aos negros em cargos diretivos e financiar movimentos sociais que combatem o racismo.

É COMUM OUVIR HOJE EM DIA QUE O RACISMO PARECE TER AUMENTADO. COMO VOCÊ AVALIA ESSA PERCEPÇÃO?
O racismo é o mesmo de antes. A diferença é que agora está sendo filmado e noticiado. Há uma consciência maior por parte de vários agentes, não todos, é claro, de que há racismo e isso é um problema social.

QUAL O PAPEL DO CIDADÃO E DA MÍDIA NESTA LUTA?
Todos são responsáveis por lutar contra o racismo. Aos cidadãos, cabem práticas antirracistas; aos jornalistas, o dever social e a responsabilidade profissional de denunciar e investigar casos de racismo.

OS PROTESTOS NOS EUA PARECEM TER INFLUENCIADO MUITAS PESSOAS, INCLUSIVE ESPORTISTAS AO REDOR DO MUNDO. COMO VOCÊ VÊ AS MOBILIZAÇÕES DE APARENTE MENOR IMPACTO NO BRASIL?
A resposta é complexa. Em poucas palavras, explica-se, de um lado, pela forma como o racismo se construiu em cada sociedade (segregacionista nos EUA e miscigenacionista no Brasil) ao longo da história e, de outro, por haver uma política nacional de esportes nos EUA, ao contrário do Brasil. Em um país onde os atletas são tratados de modo muito mais profissional, eles sentem-se mais empoderados para lutar contra a estrutura racista do esporte.

COMO VOCÊ VÊ O FUTURO DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL E NO MUNDO?
Vejo como um processo longo, com avanços e retrocessos, e que requer luta permanente. Por sua capacidade de atingir as massas, os esportes, sem dúvida, podem contribuir enormemente para a causa.

AS AGRESSÕES RACISTAS ESTÃO PRESENTES EM MUITAS ÁREAS DO ESPORTE E É UM FENÔMENO SOCIAL GRAVE, COMO MUDAR ESSE CENÁRIO?
O racismo é estrutural. Portanto, manifesta-se e reproduz-se em todas as instâncias sociais, inclusive no esporte. A mudança passa, como disse, pela (re)educação, mas também pela adoção de políticas públicas de ações afirmativas. Isso significa uma difícil negociação com a classe política no Brasil, que é quem pode elaborar leis que exijam e garantam uma porcentagem de vagas aos negros nos mais diversos setores.