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Rotina de Atleta: Angelo Assumpção conta como é a rotina de um ginasta

Ginasta Angelo Assumpção conta detalhes de seu cotidiano como atleta em tempos de pandemia
Ginasta Angelo Assumpção conta detalhes de seu cotidiano como atleta em tempos de pandemia

O ginasta Angelo Assumpção, especialista em salto e solo, carrega em sua história muitas conquistas. Campeão mundial em 2015, também foi seis vezes campeão por equipe, seis vezes campeão brasileiro e três, campeão sul-americano. Angelo é nosso próximo convidado do Rotina de Atleta, live quinzenal do Sesc Pompeia, às 18h desta sexta, 18/9, no instagram @SescPompeia. Nesta entrevista, ele adianta detalhes de seu dia a dia como atleta nos últimos anos.

Como tem sido a sua Rotina de Atleta? 

Antes da pandemia, os meus treinos estavam sendo realizados na academia. Mas com tudo isso acontecendo, fui me adaptando em casa e colocando os exercícios específicos que fazemos para ginástica na minha rotina de treinos. 

Quais exercícios você tem realizado e como foi essa adaptação? 

Buscando me adaptar, continuo treinando em casa. Tenho feito parada de mão, parada de mão na parede e alguns exercícios de flexibilidade no chão. Há também os trabalhos de coordenação motora, chutes e os famosos preparos para a estética. 

Quando você se descobriu negro? E quando se tornou negro?

Acho que a descoberta vem desde a nossa existência e a compreensão, com a maturidade e o tempo. A sociedade em que vivemos deixa bem claro quem é negro, principalmente para um negro retinto como eu. Eu tenho uma família que sempre apoiou e esteve em contato com o Movimento Negro. Descobrir-se e tornar-se negro também são uma construção familiar, ao decorrer dos anos. 

Recentemente, o jogador Neymar disse ter sofrido racismo em uma partida de futebol e se declarou negro. Você acompanhou essa história? Ela te traz alguma lembrança? 

Quando a gente quer ser aceito em alguns ambientes, acaba negando a própria existência. Também já fui assim. Durante muito tempo, neguei o meu cabelo. A gente acaba construindo nossas narrativas baseadas nos costumes e diretrizes das pessoas brancas. Todos os traços negroides a gente tenta diminuir, negar, chegando a fazer até cirurgias. Acredito que o Neymar esteja passando por este processo. Ele não é um caso isolado, vai começar a entender como tudo isso funciona. Ao passar por essa situação de racismo explícito, a gente não tem que pedir uma posição somente dele, tem que pedir uma posição das instituições, dos racistas. Temos que parar de cobrar da vítima e cobrar das instituições e da sociedade como um todo.

Como foi crescer sendo um atleta negro?

Minha mãe sempre dizia exatamente isto: "Angelo, para você ocupar espaços, você tem que ser três vezes melhor, se não eles vão optar pelo branco". E é um choque muito grande ter que lidar com isso quando se é jovem. A todo momento, eu tenho que provar que seu capaz e o meu valor. É muito cansativo e doloroso, porque toda hora você tem que reafirmar o que você é.

De que maneira você acha que os clubes e as instituições esportivas podem contribuir para que o racismo não seja perpetuado no ambiente esportivo? 

Eu acredito que as pessoas precisam ter o letramento racial. Temos que parar de negar a  importância da nossa própria história. Quem construiu e quem continua a construir esse país, basicamente, somos nós, as pessoas pretas. Estamos na base da estrutura da sociedade e precisamos de políticas públicas mais incisivas. Somos 56% da população brasileira e políticas brandas não vão fazer grandes transformações, isso precisa ser mudado. Precisamos de movimentação governamental dentro das instituições, ter abertura para falar da nossa própria história, construir novas narrativas. Não queremos estar apenas nos espaços de subalternidade e, sim, ocupar espaços como qualquer outra pessoa. O racismo não pode ser pauta determinante para justificar até onde nós podemos ir ou sermos determinados pelo nosso silêncio o que devemos ser. Já temos estes dados, 86% da população sabe da existência do racismo e como ele se dá e apenas 4% da população se identifica como racista. É preciso parar de negar e de achar que estamos falando apenas de um indivíduo. Precisamos acreditar e entender que o combate ao racismo é bom para todos e que a luta não é de negros contra brancos e, sim, de todos contra o racismo.

No esporte, você encontrou uma rede de apoio, afeto, compartilhamento de saberes com outros negros? E fora do esporte?

Está acontecendo uma mudança muito grande  entre nós, negros. Pessoas que saíram da modalidade e estão ocupando outras posições como técnicos, diretores de esporte, dirigentes, ainda são poucos, mas estamos caminhando. É preciso reestruturar a diversidade. Não podemos esquecer das nossas crianças, de orientá-las e fazer esse trabalho desde pequenas. Eu gosto muito do trabalho da filósofa Djamila Ribeiro. Ainda sobre os nossos, no esporte, me inspiro muito na judoca Rafaela Silva. Precisamos contar e mostrar novas possibilidades de narrativas, contadas por nós.

Quem era o Angelo de 2015 e quem é o Angelo de 2020?

Com 18 anos, eu era muito imaturo. Tudo aconteceu quando eu era muito novo, estava me construindo como pessoa, como atleta, em conflitos para que fosse aceito. O racismo veio de uma maneira muito violenta, explícita e dolorosa. Os anos me fizeram refletir e me tornar uma pessoa mais madura. O Angelo de 2020 é um cara muito mais pé no chão e consciente. Compreendendo como a sociedade se movimenta e como o racismo acontece. O Angelo de 2020 tenta contribuir muito mais para uma sociedade melhor.