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Banho pra geral – A água da autoestima

Projeto oferece banho, roupas, alimentos e escuta a pessoas em situação de rua. Foto: Luca Meola
Projeto oferece banho, roupas, alimentos e escuta a pessoas em situação de rua. Foto: Luca Meola

Por Vanessa Labigalini*
 

Por iniciativa do Coletivo Casa de Vó, em parceria com o Instituto de Políticas Relacionais, o Banho pra Geral atende pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, e foi idealizado por mim junto a um time que acredita na possibilidade de  transformação social para as populações em situação de rua.

O “banho de autoestima”, como gostamos de chamar, é levado por uma carreta móvel às regiões mais necessitadas da cidade. Com uma caixa de água de 440 litros, a carreta dispõe de dois banheiros individuais, com chuveiros de água quente e uma pia externa. É oferecido um kit de higiene que inclui toalha, xampu, condicionador, pente, sabonete, creme dental e escova de dentes, uma muda de roupas, alimentos e cobertores, além de um serviço de corte de cabelo. É um processo extremamente organizado, que demanda concentração e foco, para que os públicos possam ser atendidos de forma adequada e passar pelas diferentes fases do atendimento. Cerca de 70 voluntários participam da ação, que em épocas de Covid-19, apresentam-se devidamente protegidos com máscaras, viseiras e luvas.

Quaisquer ações desenvolvidas para quem está em situação de rua são de importância gigantesca. Sejam roupas, comidas, cobertores, atendimento médico ou outras questões básicas, trata-se de um pouco de estrutura para quem não tem a quem recorrer.

A partir da observação e escuta dos coletivos que já desenvolviam ações com a população de rua em São Paulo, e perceberam que um copo de água ou um banho quente eram desejos inalcançáveis, buscamos experiências para analisar o melhor caminho para essa concretização.

Um dos nossos parceiros, o Barba - hoje líder da pop rua em Brasília, e que já esteve em situação de rua -, nos apresentou o Banho realizado em Curitiba e seu idealizador Ernandes, que não poupou esforços em nos dar consultoria. Após uma visita técnica ao movimento naquela cidade, decidimos pela concretização do que, naquele momento, já estava batizado Banho pra Geral.

Para concretizar a ideia da carreta, fomos em busca de apoiadores que tivessem recursos, e os articulamos junto a pessoas que já sabiam das nossas realizações. Em menos de dois meses, tínhamos um grupo de voluntários atuantes com muita alegria de fazer acontecer.

Dia 7 de dezembro de 2019, a carreta nasceu oferecendo o banho à população do entorno do território do Padre Julio Lancelotti, parceiro e padrinho de ações como a Festa de Aniversário para quem está em situação de rua, e o Bloco de Carnaval Unidos da Rua, que já vínhamos realizando antes.

As atividades são viabilizadas por meio de plataformas de financiamento coletivo online, e como o apoio de empresas parceiras. Durante esse período de pandemia, fomos selecionados em um edital da EDP Brasil (EDP Solidária – Covid-19, proposto pela EDP Brasil, empresa do setor elétrico que opera no país), algo significativo para nosso reconhecimento público.

Muita água boa rolou para quem toma o banho e para quem o oferece nesses tempos, porque esse trabalho é uma via de mão dupla. Antes, interagíamos presencialmente de forma mais tranquila, mas durante a pandemia, por exemplo, temos encontros virtuais com os voluntários, para incentivar e reforçar a importância dessa outra forma de estarmos juntos. Estimulamos as pessoas a conversarem com seus vizinhos sobre essa realidade e compartilhar os depoimentos, e sensibilizar a partir de quem a vive: informação para combater o preconceito.

O que parece simples, “um banho”, não o é de fato. Nós, brasileiros, somos mal acostumados no quesito água, olhando para a realidade mundial. Enquanto aqui muitas pessoas tomam dois banhos por dia, em outras partes do mundo, a água é ouro, e usada parcimoniosamente. Isso faz com que a classe média brasileira banalize a chuveirada. No entanto, basta recordar o quanto um banho, revigora o externo e o interno -, o corpo e a alma -, depois um dia de cansaço.

Muitos depoimentos de pessoas que tomaram banho nas ações desenvolvidas, nos sensibilizam e trazem a certeza de que precisamos seguir realizando os banhos: “estou pronto pra procurar um trampo”, “eu nem sabia mais da cor do meu cabelo”,  “nem lembrava da cor dos meus olhos.. pude me ver”...

Hoje, o banho acontece quinzenalmente, e com o coletivo da Corrente libertadora Pop Rua – com a liderança Roseli Hippie - , estamos organizando uma ação contínua e organizada com todas as carretas de banho da cidade de São Paulo, para que possamos abarcar a cidade como um todo, e não pensar somente na nossa carreta, atuando em conjunto com o poder público e com iniciativas como a nossa.

Que o banho seja política pública: esse é o nosso desejo e nossa meta!

 

*Vanessa Labigalini é assistente social pela PUC/SP, psicodramatista e curiosa, e atualmente é diretora da Diretoria de Projetos e de Comunicação na Instituto de Políticas Relacionais.

 

Clique aqui para saber mais sobre o projeto Banho Pra Geral

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Para saber mais sobre o assunto, assista ao bate-papo online, que aconteceu em julho pelo canal do Youtube do Sesc SP, em que a Vanessa participou junto com o Padre Júlio Lancelotti, pároco da Igreja São Miguel Arcanjo no bairro da Mooca, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, com 35 anos de ordenação; Roseli Kraemer, membra titular do Comitê PopRua - Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua. Apresentação e mediação: Sandra Carla Sarde Mirabelli, assistente social e assistente técnica da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.

População em situação e rua: quem cuida?