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Cultura e as dimensões da vida
Para o psicanalista Tales Ab'Sáber, que falou à EOnline sobre arte, cultura e saúde, logo após a abertura do Inspira – Ações para uma vida saudável, no Sesc 24 de Maio, "a cultura [a cada tempo] desenha os problemas para o indivíduo adoecer".
Até o final do século XIX e o início do século XX, muitas mulheres foram encaminhadas a asilos de epiléticos e doentes mentais quando diagnosticadas com a chamada histeria, então entendida como uma reação tipicamente feminina, fruto de uma suposta fragilidade do gênero e, possivelmente, de causa orgânica. Sigmund Freud (1856-1939), que viria a fundar o campo de estudo da psicanálise, foi quem percebeu que o fenômeno – que poderia, inclusive se desencadear em homens – era, na verdade, um distúrbio psíquico (e não orgânico) diretamente associado à repressão sexual, uma expressão corporal de um sofrimento.
Essas pacientes, explica Ab'Sáber, "estavam doentes de uma sexualidade que elas não podiam pensar, viver ou nomear" à época. Ao barrar, portanto, "toda uma dimensão da vida", as dinâmicas culturais daquele tempo provocaram adoecimento.
Ainda que a cultura dos dias de hoje permita uma reflexão um pouco mais franca sobre a sexualidade, não deixam de ser patológicos alguns outros aspectos. Para Ab'Sáber, que é também formado em Cinema e mestre em Artes pela USP, "é certo que existe uma cultura ligada a uma redução do sujeito. É o impacto da industrialização, é o impacto das mercadorias, o plano simbólico do mercado que, muitas vezes, vende a ideia de que tudo que se pode viver está ali, tudo que se pode viver é a reprodução do sistema de mercado e dos modos de consumo e o que está dentro de um shopping center".
Não que a existência do shopping center – uma metáfora aqui para determinadas características da cultura de massa – seja o problema. Para o professor de filosofia da UNIFESP, o que adoece são as consequências da hegemonia de um modelo sobre todas as outras dimensões da cultura. "Tem pessoas que adoecem porque a cultura é aquela e [elas] não podem entrar [ou consumir]", diz o psicanalista. Trata-se de um modelo calcado em desigualdades. Há uma boa dose de violência, para o professor, em uma cultura que insiste em apagar "todas as potências de diferença".
A reflexão que traz Ab'Sáber, no entanto, não deve soar como palavras de um fatalista. Pelo contrário. Para ele, a consciência de que a violência, a injustiça e a desigualdade existem mantém viva a razão crítica. Essa consciência produz efeitos, ainda que pelas bordas, nas vidas de quem experimenta outras perspectivas de cultura. "A presença da razão crítica não morre, por mais que ela seja distorcida, prostituída", insiste o psicanalista. "Existe um desejo de criar, existe um desejo de inventar perspectivas", afirma, relembrando a trajetória improvável para a época de uma figura como o escritor Machado de Assis (1839-1908), que era bisneto de escravos. Para Ab'Sáber, há "forças [criativas] que são também incontroláveis".
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