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Turismo para quem?

Ilustração: Elisa Carareto
Ilustração: Elisa Carareto

*Por Marcelo Vilela

O cantor e compositor pernambucano Lenine lançou, em 1999, uma canção na qual, referindo-se ao Brasil, diz que “o país do suingue é o país da contradição” – e o turismo aqui desenvolvido, como fenômeno socioeconômico que alcançou globalmente o status de commodity, não escapa a estas contradições há tanto tempo presentes em nossa história.

Veja-se a seguinte situação: em um país com mais de 7.300 km de litoral, ainda são comuns as restrições ao usufruto desses espaços, seja pela apropriação privada de áreas de excepcional valor cênico, seja pelas restrições impostas (muitas vezes pelo próprio poder público) aos meios de transportes coletivos que se dirigem a tais áreas em fins de semana, feriados prolongados e férias, por exemplo.

Embora no litoral estas práticas sejam mais visíveis, nota-se a mesma situação de exclusão em outros destinos turísticos nos quais esse turista popular busca se inserir: o “farofeiro” (como ficou pejorativamente conhecido o visitante das classes mais baixas) se tornou um sujeito a ser evitado a qualquer custo.

Por vezes com o intuito de possibilitar o acesso a práticas turístico-recreativas de camadas da população tradicionalmente ausentes do mercado convencional de viagens (como ocorre no caso das iniciativas sindicais e/ou empresariais de criação de colônias de férias, por exemplo), por vezes com a intenção de manter tais públicos efetivamente confinados em áreas de menor interesse paisagístico e apartados dos demais visitantes que buscam as áreas turísticas, criaram-se políticas, ações e estruturas que evidentemente não equacionaram a questão da demanda pelo lazer turístico.

É claro que tal situação não se verifica apenas no Brasil: mesmo nos chamados “países desenvolvidos” identificam-se estratégias destinadas a garantir o direito ao turismo a parcelas específicas da população que enfrentam limitações de várias ordens (econômicas, socioculturais, físicas ou outras) – estratégias, essas, que se inserem no que se convencionou chamar de turismo social.
Tendo em mente os desafios socioeconômicos e ambientais do turismo contemporâneo no Brasil e no mundo, esta oportunidade de reflexão e debate que ora se apresenta se revela mais que oportuna, fundamental.

Para além de identificar os problemas da face excludente e predatória que marca a atividade turística mundo afora (como se vê nos meios acadêmico e jornalístico, por exemplo), me parece fundamental direcionar esforços em busca de alternativas que, sem ignorar as diversas necessidades pelas quais passa um enorme contingente populacional, permitam a fruição de oportunidades de satisfação psicossocial por meio deste complexo fenômeno sobre o qual nos debruçamos neste momento.

 

* Marcelo Vilela de Almeida é bacharel em Turismo pela Faculdade Anhembi Morumbi, especialista em Planejamento e Marketing Turístico pelo SENAC/CEATEL. Mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Docente do Curso de Graduação em Lazer e Turismo e do Programa de Mestrado Acadêmico em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Membro da Aliança para Formação e Pesquisa em Turismo Social e Solidário/Organização Mundial de Turismo Social.

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Sobre o Seminário

O "Seminário Internacional Turismo e Direitos num Mapa de Contradições” acontece entre os dias 12 e 13 de Junho, no Sesc 24 de Maio, propondo uma reflexão sobre a democratização do acesso e os impactos das práticas turísticas.

Conversamos com  Marcelo Vilela de Almeida, que irá mediar uma das mesas do evento intitulada "Turismo para quem?", para nos contar um pouco mais sobre este tema:

O seminário, que compõe as ações comemorativas aos 70 anos do Turismo Social no Sesc em São Paulo, pretende investigar as relações entre turismo e direitos humanos, partindo da percepção já mundial de que se trata de um panorama com graves desequilíbrios. Estão previstos no Seminário debates sobre o significado de desenvolvimento (já que frequentemente a atividade turística é defendida como proposta de prosperidade para os municípios); sobre as políticas de inclusão ou exclusão dos públicos no turismo; sobre os conflitos causados pelo exercício do turismo com relação ao direito dos moradores a suas cidades; sobre os processos que acentuam diversas vulnerabilidades sociais a partir da atividade turística. Para refletir sobre esses temas o seminário recebe estudiosos do Chile, Argentina, Espanha, Austrália, Canadá, México e do Brasil.

As vagas para o Seminário estão esgotadas, mas quem não conseguiu se inscrever ainda pode participar das atividades associadas que estão com inscrições abertas.

Saiba mais em sescsp.org.br/turismoedireitos