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Uma canção escrita a três casas e seis mãos

Fts: Edu Guimarães por Vitor Damiani, Andreia Preta por Erica Araium e Paulo Freire por Adriano Rosa
Fts: Edu Guimarães por Vitor Damiani, Andreia Preta por Erica Araium e Paulo Freire por Adriano Rosa

Estréia na próxima quinta, dia 23/7 às 19h, no youtube.com/sesccampinas, a primeira edição do projeto Canção Quebrada, iniciativa que traz a proposta de composição de uma obra musical inédita, que evidencia uma existência imaginada sem a pandemia.

Convidando artistas de Campinas, ou que tem a cidade marcada em suas trajetórias musicais, a primeira edição traz Andreia Preta (voz), Edu Guimarães (sanfona e piano) e Paulo Freire (voz e viola), que compuseram a canção "Toró". É a primeira vez em que o trio se une para a produção de um trabalho coletivo e inédito. Todo o registro e captação foi feito separadamente na casa dos artistas, utilizando equipamentos não profissionais, como celulares e câmeras simples, e produzido pela equipe de audiovisual do Sesc Campinas.

Na entrevista a seguir, os artistas comentam sobre a proposta e o processo criativo, as dificuldades do trabalho sem o contato presencial e sobre como foi a gravação com equipamentos caseiros e em condições não ideais. 

 

Vocês são artistas de Campinas e que já se conheciam de outros palcos. Como foi a recepção do convite para participar deste projeto?

Paulo: Foi a melhor possível. Muito estimulante! Nós nos conhecíamos, mas eu nunca tinha trabalhado com a Andreia, nem com o Edu. Conseguimos nos ajustar muito bem, cada um da sua maneira, sempre palpitando e complementando a ideia um do outro.

Edu: Paulo pincelou bem: “a melhor possível!”. Sempre tinha me perguntado por que não tinha feito nenhum trabalho com Paulo. Vivo em Campinas há 15 anos e só o conhecia por seu trabalho esplendoroso, de alguns poucos encontros e muitas amizades em comum. Com a Andréia eu já trabalhei por diversas vezes e já estávamos “em casa” no quesito musical. 

Andreia: Sim, sou campineira. Conheci o Edu logo que ele se mudou para Campinas e trabalhei com ele por diversas vezes, inclusive ele participou da gravação do meu primeiro disco. Eu era muito fã de Paulo, há muito tempo! Mas compor uma canção juntos, foi inédito para nós três! 

 

Que tal a experiência de trabalharem juntos e cada um na sua casa? Vocês acham que essa metodologia funciona bem?

Paulo: Foi um grande desafio trabalharmos juntos em um processo de criação à distância. Se não fosse pela empatia instantânea que tivemos, a importância do tema tratado, e a parceria fundamental que temos com o Sesc, seria quase impossível. Sinceramente não vejo vantagem nenhuma nessa distância. Para uma criação desse tipo: compor a música, a letra, fazer o arranjo, ensaiar, gravar, o encontro é fundamental! Mas acho que mesmo assim, sofrendo um pouco com a distância, nos viramos inté bem...

Edu: Como Paulo bem disse, empatia, a importância do tema e parceria com o Sesc nos motivou a nos acharmos neste lugar complexo. Dada toda a complexidade em que nos encontramos, a cabeça e os sentimentos confusos em meio a tanto luto devido à pandemia, não é tarefa simples ter essa concatenação de ideias de longe, por meio de mensagens de texto, áudios, print… Assim como Paulo, não vejo vantagem, a não ser, a chance de realização do que somente era possível presencialmente, o que é o ideal quando pensamos em Arte! Eu diria que funciona.

Andreia: Como já disseram Paulo e Edu, o desafio foi grande! Eu sempre achei difícil a comunicação por redes sociais, whatsapp. Eu gosto de sentar com um café, sou quase mineira, então já viu! Rs. Mas foi maravilhoso a gente se conhecer mais, o entrosamento foi muito importante, os músicos foram muito pacientes, parceiros mesmo, pois, como não sou instrumentista, mas sou melodista, dava um trabalho a mais pros amigos. O compor em si, é simples. O problema maior foi falar de arranjo, à distância, porque é complexo mesmo. E cada vez tinha que gravar um piano, mandar, ouvir, "é isso", "não é isso". Por celular é muito diferente o som que chega, a não ser que se tenha uma boa tecnologia e não é o caso.

 

Toda a gravação foi feita com equipamentos caseiros e em condições não ideais. Comentem um pouco sobre a dinâmica da produção.

Edu: Neste quesito não foi um problema para mim, devido a experiências anteriores. Mesmo antes da pandemia, sempre usei o celular para registro de melodias que vinham, ideias de arranjo e até para pré-gravações de vários discos que gravei. Com isso aprendi a mexer em programas de edição de áudio e vídeo, o que nos facilitou a organização da música. Fui criando e recebendo as ideias de Andréia e Paulo e fazendo a montagem pra termos ciência de onde estávamos com a canção. Usei alguns instrumentos de percussão para ideias rítmicas, ia gravando e testando. Pensando que estou na zona rural neste momento, com internet precária, mas com um arsenal de inspirações que vem da natureza, os equipamentos podem não ser ideais, mas o lugar...

Paulo: A grande vantagem é que o Edu tem experiência com esse tipo de gravação. É muito complicado o processo, ninguém está tocando ao mesmo tempo. O Edu centralizou estes vídeos todos, para que pudéssemos conceber o arranjo, entender a concepção da música e ver como tudo soaria. Em relação aos equipamentos, acredito que já estamos todos nos conformando com isso. Hoje em dia é a única forma de nos juntarmos, pela internet, e fazer música.

Andreia: Eu tava num processo de começar a me organizar tecnologicamente, estudar um bocado, para poder lidar melhor com tudo isso. Para mim foi um pouco tenso, pois a pandemia me pegou de surpresa. Estou na fase em que o computador, celular, e nuvem lotaram a memória e, isso trouxe algumas dificuldades. Mas graças ao Edu, conseguimos lidar bem.

 

"Viajei um tempo pra dentro de casa

Procurei minha alma pra conversar

O que ela temia o que me contava

Era um mundo sem jeito de se abraçar"

(Trecho da canção "Toró")

 

A letra da canção fala em "viajar um tempo pra dentro de casa". Como tem sido essa viagem para vocês, tanto do ponto de vista da pandemia, quanto da criação musical?

Andreia: Acredito muito que o tempo pediu um tempo (outra canção minha), mas essa viagem pra dentro de casa, mais do que o lar físico, nos proporcionou a oportunidade de vivenciar um dia de cada vez, trazer um olhar pra si mesmo. Essa coisa de conversar com a alma, essa avaliação foi imprescindível pra não entrar em desespero diante da situação planetária. Pra mim, que havia acabado de me despedir da minha avò, que faleceu em fevereiro, foi o luto mais importante da vida. Ela era minha grande referência e inspiração e essa clausura veio a calhar. Precisamos da tecnologia, sim, mas esta situação nos trouxe um momento de perceber quão valiosa é a presença de pessoas, trocas, afetos, compaixão, enfim… Pra gente ter mais equilíbrio.

Edu: Essa viagem pra dentro de casa eu já pratico há muito tempo. Confesso que sempre tive um tanto de preguiça de encontros sociais, bares e afins. Claro, depois de trinta e tantos... Antes eu adorava. Rs! Mas neste caso específico é árduo, onde não é uma escolha, é uma necessidade, na qual acredito que esteja não só uma solução para amenizar a gravidade da doença, mas, trazer o ser humano para uma reflexão: Onde eu estava? Porque estava da forma que estava? Preciso de tanta coisa material mesmo? Enfim, pra mim tem sido um reaprender a viver muito esplendoroso, e resolvendo várias questões internas nas quais eu sequer pensava. No começo da quarentena eu não tinha ânimo algum para mexer com música, a não ser ouvir muito, como sempre fiz, mas, não tinha gana em sentar ao instrumento e tocar. Depois fui voltando pela saudade. Mas confesso que a situação em que nos encontramos, me deixa um tanto de luto todos os dias. A música me traz força para suportar.

Paulo: É o que estamos fazendo para superar este momento tão delicado. Ainda bem que estamos conseguindo ficar em casa e nos cuidar. E a partir dessa necessidade de “viajar para dentro de casa”, trabalhar em nossos projetos como também tentar pagar as contas... Do meu lado, estou conseguindo criar muito, me envolver com artistas de outras áreas, tanto para o dia que pudermos voltar a nos juntar ao público, como também para tentar desenvolver algo que funcione remotamente.

 

Como vocês enxergam a ação do Sesc em suas trajetórias e em específico nesse projeto?

Paulo: Neste projeto fiquei muito feliz e me senti realizado com o resultado e com a maravilha de proposta e tema que o Sesc nos apresentou. Tenho uma relação muito estreita com o Sesc Campinas, que sempre me apoiou muito, como a tantos artistas da cidade. Estou sempre pronto e muito bem disposto para as ações e ideias da programação. As ações do Sesc, assim como toda sua estrutura, são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano. Amo o Sesc e tenho amigos extraordinários trabalhando aí.

Edu: Fiquei muito feliz com o convite do Sesc Campinas e com essa ideia maravilhosa de lançar este desafio de compor à distância. Tenho muito a agradecer ao Sesc Campinas, que sempre se mostrou pronto e a fim de difundir a cultura da cidade e seus artistas. O Sesc, de uma forma geral, sempre foi um lugar onde sou tratado com respeito e que tem um grande zelo com a arte. Já tive a sorte de me apresentar em quase todas as unidades e com certeza isso me trouxe muita experiência como músico e pessoa. E é de extrema importância na vida das pessoas, seja por sua vasta programação em diversas áreas culturais, esportes, saúde, lazer. De suma importância para o desenvolvimento do ser humano, como bem disse Paulo. 

Andreia: Eu me senti muito honrada com o convite e as parcerias! O Sesc Campinas sempre foi um dos lugares que chamo de minha casa, pois me sinto em casa. Sou frequentadora assídua! Desde o início da minha carreira, o Sesc sempre abriu as portas pra mim e vem dando cada vez mais visibilidade e valorização ao trabalho dos artistas campineiros, assim como dos que escolheram a cidade para morar. Quanto ao projeto, eu notei que o trabalho da equipe nos incluiu nos processos da equipe e vice-e-versa. Digo, nós artistas e a equipe, nunca havíamos trabalhado tão próximos. E o Sesc tem um papel muito importante para nós, é um lugar de grande reconhecimento. Lugar de pessoas pensantes, que buscam dialogar com as novidades, dar soluções aos novos tempos, e esse projeto, não tenho dúvida, veio desafiar a experimentar os novos tempos, mesmo sendo tempos difíceis.