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Romeu e Julieta aos 80
Por João Evandro Biazotto*
O final todos sabem...
Todos sabem que os planos do jovem casal não dão certo. Todos sabem que, na tentativa de enganar as famílias para permanecerem juntos, Romeu morre, Julieta morre. A morte paira sobre eles antes mesmo do primeiro encontro: “Oh! Muito cedo, tenho receio. Apreende meu espírito algo que ainda pende das estrelas e que vai iniciar seu fatal curso na festa desta noite, ponto termo à vida desprezível que eu carrego no peito, com qualquer delito absurdo de morte extemporânea”, diz Romeu antes de adentrar ao baile.
Em Romeu e Julieta 80, Renato Borghi e Miriam Mehler, ambos na casa dos 80 anos de idade, dão vida aos jovens apaixonados de Verona. Pode haver milhares de motivos para essa escolha inusitada, mas há um aspecto que vale a pena destacar: a subversão do trágico. A tragédia na obra de Shakespeare está na morte prematura de dois jovens apaixonados.
Em uma sociedade como a nossa, em que a juventude é cultuada e a velhice desvalorizada, o velho já é considerado naturalmente mais próximo da morte. Conhecemos Romeu e Julieta, originalmente, ainda que jovens, com a sombra da morte à espreita. O casal vive intensamente o amor como se não houvesse a possibilidade de um futuro juntos. E sabemos, não há.
A energia de dois artistas já idosos interpretando este casal faz com que encontremos uma relação íntima no entendimento dessa intensidade na relação amorosa. O fim, culturalmente falando, também parece estar mais próximo deles.
Borghi e Mehler estão aí: representam essa importante parcela da população que já passou dos 60 anos e trabalha, se posiciona, se apaixona. Trazem repertório e experiências de vida que devem ser valorizadas pelas gerações seguintes. Representam esta urgência em viver intensamente antes que o fim, que na verdade paira sobre todos nós, independentemente da idade, chegue. Mas que, ao contrário de Romeu e Julieta, deve durar mais do que uma passageira paixão adolescente.
*João Evandro Biazotto é Programador da área de Artes Cênicas no Sesc São Paulo. Licenciado em História pela USC, foi professor na educação básica e trabalhou como educador no Espaço de Tecnologias e Artes (ETA). Entre suas ações recentes no Sesc São Paulo, foi co-curador da exposição "#ForadaModa" e da mostra "Yesu Luso: Teatro em Língua Portuguesa".
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Romeu e Julieta 80 é uma montagem peculiar, concebida e dirigida por Marcelo Lazzaratto. O espetáculo ganha duas sessões no Sesc Santo André, dias 14 e 15 de junho, sexta-feira às 21h, e sábado às 20h. Para detalhes da programação, clique aqui.