Postado em
A importância de se estudar o pensamento político e social de intelectuais feministas clássicas dos séculos XVIII e XIX
Por Verônica Toste e Marcia Candido
Nos últimos anos, o feminismo tomou de assalto as ruas, as inscrições nos corpos, as camisetas, as palavras de ordem, as faixas das manifestações, os estandartes do carnaval, as intervenções no espaço urbano, os textos, debates e imagens das redes sociais, os blogs, os coletivos universitários, as escolas, as candidaturas partidárias, as matérias na imprensa, os textos de opinião, as prateleiras das livrarias, e muitos outros lugares... É possível dizer com muita segurança que o feminismo ganhou tanta visibilidade e adesão social no Brasil, que hoje ele é um dos movimentos que mais mobilizam paixões e energia para a luta e o protesto no país.
O pensamento feminista, isto é, o feminismo como prática teórica e reflexiva, é cheio de possibilidades, pois permite atribuir causa, nome, mecanismo a fenômenos que de outra forma não saberíamos como interpretar. Ele nos convida a observar as sociedades a partir de um ângulo diferente, abrindo novas frentes de pesquisa. O feminismo como forma de ação no mundo, por sua vez, colabora para forjar novas solidariedades e construir formas singulares de protesto e ação política. Daí a sua tremenda força e, o que mais desejamos destacar aqui, a sua extrema vitalidade. Seja no Brasil ou no mundo, o feminismo tem uma longa história.
O período do século XVIII ao XIX foi um momento crítico para o desenvolvimento de ações e teorias em torno das situações enfrentadas por mulheres em várias partes do mundo. A partir de diferentes perspectivas, autoras clássicas como Mary Wollstonecraft, Harriet Taylor Mill, Nísia Floresta, Alexandra Kollontai, Emma Goldman, Clara Zetkin, Anna Julia Cooper, Ida B Wells, Elvira López, Pandita Ramabai, Charlotte Perkins Gilman, entre muitas outras, nos legaram repertórios e conceitos que foram fundamentais para a criação das diversas linhagens do pensamento e da ação feminista de hoje. Além disso, dialogaram criticamente com autores de seu tempo e deixaram escritos singulares sobre a política e a vida social.
Em 1792 a inglesa Mary Wollstonecraft, por exemplo, sintetizou em uma frase o que hoje costumamos entender por feminismo: “Eu não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens, mas que tenham poder sobre si mesmas”. Wollstonecraft procurava explicar um aspecto básico da luta feminista frequentemente mal interpretado: no lugar de pretender inverter uma relação de desigualdade, colocando as mulheres no lugar tradicional de dominação masculina, o que o feminismo busca é a igualdade e a equiparação de direitos entre ambos, de modo que as mulheres desfrutem de autonomia e liberdade e possam desenvolver plenamente sua criatividade e seus objetivos de vida.
Muitas mulheres de diversos tempos e espaços escreveram sobre si e sobre suas semelhantes com a mesma perspicácia de Wollstonecraft, nos deixando um legado rico, diverso e desafiador de reflexões de teor feminista sobre vários temas. Tomemos, por exemplo, a frase da ativista e historiadora norte-americana Anna Julia Cooper, proferida em 1892, a respeito da sua situação enquanto mulher negra: “A mulher negra ocupa hoje uma posição única. (...) Ela é confrontada com a questão das mulheres e com o problema racial”. Ou ainda a afirmação da revolucionária russa Alexandra Kollontai de 1911 sobre a necessidade de se discutir a sexualidade como uma questão política: “É inexplicável e injustificável que o problema sexual, tão vital, seja relegado hipocritamente ao armário das questões ‘puramente privadas’”.
Essas e outras autoras constituem uma herança que precisamos recuperar e reivindicar para nós, pessoas do século XXI, restabelecendo assim nossos elos – que hoje se encontram difusos e desorganizados – com uma longa tradição de pensamento político social feminista. Em vista disso, o Centro de Pesquisa e Formação do SESC São Paulo oferecerá no mês de janeiro um curso composto de cinco sessões em que exploraremos a biografia intelectual e a obra de seis pensadoras clássicas essenciais para a compreensão das genealogias, o desenvolvimento e a pluralidade de formas de pensamento político e social a partir de uma perspectiva atenta à posição das mulheres em diferentes contextos.
As professoras, Veronica Toste (PPGSA-UFRJ) e Marcia Candido (IESP-UERJ), farão exposições e atividades de debate a respeito da Inglesa Mary Wollstonecraft, da brasileira Nísia Floresta, da russa Alexandra Kollontai, da lituana Emma Goldman, da norte-americana Anna Julia Cooper e da indiana Pandita Ramabai. Discutiremos a originalidade das suas contribuições e as diferentes formas como elas articularam questões de classe, gênero, raça, Estado e nação, sempre mantendo como norte o seu impacto sobre a história e sobre a formação de um corpus de reflexões feministas que nos influenciam no presente.
Ao reivindicar o pensamento dessas e outras mulheres como uma herança e buscar entender as genealogias e linhagens históricas do feminismo, acreditamos que podemos colaborar para tornar mais qualificados os debates sobre o feminismo e seu legado político e intelectual.
--
Verônica Toste Daflon é doutora em Sociologia pelo IESP-Uerj e mestre em Sociologia pelo IUPERJ. Atualmente faz pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA, UFRJ). É pesquisadora do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero (NESEG, UFRJ) e pesquisadora visitante no Instituto de Estudos Avançados na Universidade de Princeton (IAS).
Marcia Rangel é doutoranda e mestre em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Graduada em Ciências Sociais pelo IFCS-UFRJ. É subcoordenadora do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e pesquisadora associada do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP).
Saiba mais:
Pensadoras clássicas: feminismo e política nos séculos XVIII e XIX
09/01/2018 a 13/01/2018
Terça a Sábado, 10h às 13h
Valores
R$ 18,00 - credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes
R$ 30,00 - pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e professor da rede pública com comprovante
R$ 60,00 - inteira
As inscrições podem ser feitas a partir de 19 de dezembro às 14h, no site do Centro de Pesquisa e Formação ou nas Unidades do Sesc em São Paulo.