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Persistência da memória, confrontação política e arte

Curador Agustín Pérez Rubio e artistas debateram o resgate da história a partir da arte
Curador Agustín Pérez Rubio e artistas debateram o resgate da história a partir da arte

O primeiro evento dos Programas Públicos, debates realizados durante o Videobrasil, no Sesc Pompeia, contou com a presença de quatro artistas cuja obra está representada na exposição: Jonathas de Andrade, Sebastian Diaz-Morales, Aurélio Michilese, Enio Staube, além do crítico espanhol Octavio Zaya

"É importante refletir sobre a realidade; seja por nós, seja pelas instituições” assim Agustín Pérez Rubio, responsável pela curadoria de Memórias Inapagáveis, iniciou o Programa Público realizado no domingo, 31 de agosto, em um espaço apêndice da exposição, adequadamente nomeado de Zona de Reflexão. A fala do historiador valenciano evidenciou justamente a tônica da mostra: a produção artística como uma forma de impedir a amnésia histórica.

Este primeiro evento contou com a presença de quatro artistas cuja obra está representada na exposição: Jonathas de Andrade (Projeto Pacífico), Sebastian Diaz-Morales (Lucharemos Hasta Anular la Ley), Aurélio Michiles (O Sangue da Terra) e Enio Staub (Contestado, a Guerra Desconhecida), além do crítico espanhol Octavio Zaya. Em debate, a função da arte como forma de documentar as versões não oficiais de fatos políticos e sociais, instrumento de resistência ao poder.

Durante o debate, os seis membros da mesa buscaram conexões e contradições da produção, e sua função primordial na desconstrução do poder, que subjuga a história a suas relações econômicas e hegemônicas. “Assumir a história é subtrair dela seu contexto de mera dependência política com a realidade” definiu Zaya.

O crítico espanhol explicou que a gênese dos movimentos artísticos como ferramenta de interpretação da realidade coincide com a “criação da história” (baseada nos aspectos da dialética memória/cultura) no século XIX. Esse recorte oscilou ao longo do tempo e retornou com força após a década de 1960, em um processo que ele define como “ruptura epistemológica”. A multiplicidade de conflitos e o acesso à informação impactaram de forma decisiva redefinindo parâmetros da função da arte.

“Sujeita à manipulação e ao revisionismo dos órgãos oficiais, a história não pode ser representada, então, de forma unidimensional e unificada” definiu Zaya. Nesse sentido, os trabalhos de Enio Staub e Aurélio Michiles, que recuperam episódios esquecidos do Brasil, e Jonathas de Andrade e Sebastian Diaz-Morales, cujas obras propõem olhares para fatos ocorridos no Chile e na Argentina, respectivamente, são extremamente representativos.

Os quatro artistas discorreram sobre as experiências vividas na pesquisa, documentação e realização de trabalhos de importância fundamental para a memória coletiva dos locais em questão, e encaminharam o debate para a evolução das formas de registros por meio de novas tecnologias, em consenso à ideia de que o atual processo aponta para a transformação do individuo em protagonista da história.

Staub e Michiles, cada um à sua maneira, propuseram discutir as questões de terra no Brasil. O primeiro, a partir de um esquecido conflito ocorrido no sul na década de 1910 (Guerra do Contestado 1912-1916). O jornalista discorreu sobre as agruras de construção deste trabalho a partir do escasso material disponível e da memória coletiva e individual dos habitantes. O segundo trata da batalha jurídica travada pelo povo Sateré Mawé contra a petrolífera francesa Elf Aquitaine no Amazonas, entre 1982 e 1983.

Influenciado pela quebra da economia argentina em 2001, Diaz-Morales não desenvolve uma visão arquivista. O artista usa fragmentos de documentações espontâneas, em vídeo, de protestos no parlamento de Buenos Aires, e os reedita em uma colagem cuja estética remete a animações em preto e branco. O trabalho de Andrade, por sua vez, fala de um violento terremoto que separou o Chile da América do Sul, transformando o país em uma ilha no Pacífico.

Durante o Programa Público ficou evidente o papel do esquecimento na construção da história oficial, e a proposição dos trabalhos escolhidos por Agustín Pérez Rubio em contradizer, combater ou corroborar com essa versão dos fatos, conferindo à realidade a perspectiva particular dos realizadores.

O segundo encontro acontecerá no dia 21 de outubro, às 20h, com Solange Farkas, diretora e curadora geral do Videobrasil, convidando o pesquisador Eduardo de Jesus, para um bate-papo sobre o tema “Acervo Videobrasil: estratégias de ativação”, com mediação do crítico Fabio Cypriano. O último encontro dos Programas Públicos ocorrerá um dia antes do final da exposição, em 29 de novembro, às 16h, novamente com a participação do curador Agustín Pérez Rubio. Nessa ocasião, estarão reunidos os artistas Rosângela Rennó, Ayrson Heráclito e Vincent Carelli para discutir “As Histórias Renegadas: memórias indígenas e africanas”.

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Assista aos vídeos dos artistas que integraram a mesa