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Frestas: Possibilidades? Novos caminhos?

Na foto o curador, Josué Mattos, em frente a rampa de acesso que será transformada em Sala de Cinema
Na foto o curador, Josué Mattos, em frente a rampa de acesso que será transformada em Sala de Cinema

Para você, o que são frestas? Possibilidades? Novos caminhos? Uma fuga do comum? Para o Sesc Sorocaba, Frestas é o que surge no “lugar da rasgadura”, já que no tupi o nome da cidade pode ser traduzido por meio dos radicais sorok (rasgar) e aba (lugar).  As frestas, neste caso, podem constituir e definir a experiência de espaço, sejam elas orgânicas, virtuais, arquitetadas, mentais ou geopolíticas, pois todas as linhas que as frestas traçam no espaço redefinem sua relação com o sujeito, considerando o ato abrupto de rasgar como o intervalo entre dois momentos de existência.

Em outubro, o Sesc Sorocaba apresentará Frestas - Trienal de Artes, que receberá artistas de diferentes gerações e países. Constituído com núcleos expositivos e ações de diferentes naturezas, o projeto curatorial da trienal se estrutura a partir da seguinte frase: O que seria do mundo sem as coisas que não existem?

Em entrevista à Eonline, o curador Josué Mattos contou sobre a concepção do projeto curatorial e revelou alguns nomes que já confirmaram presença.

Eonline: Como se deu a escolha do projeto curatorial do FRESTAS?
Josué Mattos: Quando recebi o convite do Sesc Sorocaba para propor um projeto capaz de ser inserido no calendário oficial da cidade - que a equipe imaginava poder ser uma bienal, a exemplo de outras que o Sesc mantém há anos - sugeri que considerássemos uma trienal. Embora pareça ser mais do mesmo, ela oferece aos organizadores e ao público em geral um tempo expandido que se adequaria ao nosso contexto no que diz respeito à sistematização de eventos dessa natureza.

Uma trienal de artes para o Brasil foi algo em que pensei quando recebi o convite para assumir a curadoria do Museu Casa de Portinari, em Brodowski. Fiquei lá por um ano tentando viabilizar esse projeto, até que o museu fechou as portas para o seu merecido restauro. A sua particularidade, para mim, sempre foi a de encontrar desenhos alternativos para participar da reconfiguração do circuito de artes no país, que recentemente incluiu outras capitais da federação, mas que insiste em manter noções como centro e margem devidamente demarcadas - embora raras exceções fujam a essa regra, ainda hoje, tão presente no cenário. Ademais, a história recente das exposições aponta para um desejo de reconsiderar o calendário de eventos bianuais no Brasil. Inclusive, em conversa rápida com Aracy Amaral - quando lhe apresentei o que preparávamos em Sorocaba, ela me revelou o seu desejo, nos anos de 1980, de transformar a Bienal de São Paulo em trienal. Em certo sentido, o mesmo aconteceu com a proposta de Marcio Doctors, quando sugeria que a 28ª Bienal de São Paulo acontecesse entre os anos de 2008 e 2010. Não acredito, atualmente, que essa bienal deva sofrer tamanha modificação, comprometendo, assim, a sua importante presença na história da arte no Brasil. Mas é bem verdade que trazer ao mundo, a partir da realidade do Brasil, outro projeto com as mesmas configurações, é, pelo menos, um ato de grande valentia quixotesca. Pode ser válido, sem dúvida, mas acho que temos outras prioridades… E, se uma trienal não parece mudar grande coisa, penso nesse pequeno tempo estendido como uma potência que podem engendrar muitas novas possibilidades. Em um ano muita água passa pela ponte, como dizem. 

Quanto ao Frestas, ele surgiu de uma vontade de ver as cidades do interior do Brasil receberem pequenas incursões ou incisões de artistas de diferentes horizontes. Ele foi realizado em Ribeirão Preto, em 2011, e a intenção era seguir os passos de Walter Zanini, quando este saía com parte da coleção do MAC-USP acondicionada em um automóvel, que se tornava um museu ambulante para o público das cidades do interior. Longe de estar envolvido com um acervo incrível como é o do MAC-USP, o que me parecia possível pensar, junto com a proposição de artistas, era sobre os interstícios que a arte pode produzir no cotidiano de cidades do interior. A experiência em 2011 foi um estudo incrível, mas o projeto Frestas parecia estar à espera de algo como o convite que recebi do Sesc Sorocaba. Depois dele, uma breve pesquisa me bastou para perceber o quanto o Frestas poderia ser uma maneira simbólica de traduzir o nome da cidade de Sorocaba. Isso porque foi estupendo ver o projeto respondendo a um desejo da cidade e do Sesc - ainda desconhecido por mim - de retomar o que nos anos de 1990 se chamava “Terra Rasgada” e envolvia a cena local. Interessado que estava com o significado da palavra Sorocaba em tupi e pensando na possibilidade de uma tradução para o nome da cidade, me pareceu muito potente fixar o Frestas juntamente com a trienal. Isso porque, nessa língua indígena, Sorocaba significa “lugar da rasgadura”. E Frestas, desde então queremos pensar o assunto, é o que se produz no lugar da rasgadura.

EOnline: A trienal é divida em núcleos expositivos. Quais são esses núcleos e os objetivos de cada um deles?
JM: Prefiro pensar a trienal como um processo de imbricar. Por isso, opto por dizer que ela possui núcleos que se imbricam, não se dividem. E se é verdade que temos exposições em diferentes tempos, totalizando mais de um ano de ações na cidade, também é um fato que cada projeto está imbricado em outro. Há um desejo de levar o público em geral a pensar no que será tratado em abril de 2015 em nosso simpósio, ou seja, a ideia segundo a qual “o inexistente é insistência”. Começamos o trabalho em agosto de 2013 com artistas da cidade, pensando as condições da cena artística local e regional. Participam do ateliê artistas de Campinas, Sorocaba, Piracicaba, Botucatu, entre outras cidades vizinhas. Como estamos interessados em pensar as coisas que não existem como insistência, o estatuto do artista como aquele que convive com ideias insistentes passa a ser o centro do nosso interesse, que se abre para o debate geral sobre a vida contemporânea. Nesse sentido, seja com os artistas que residem no outro lado do mundo ou com os locais, o que tentamos com as proposições de cada um deles é vislumbrar a potência da arte como esta ferramenta capaz de insistir a ponto de redefinir o estado das coisas, tornando o impossível, o improvável e o inexistente pontos de partida e não entraves.

EOnline: Você pode adiantar os nomes de alguns artistas que confirmaram presença na trienal?
JM:
Serão vários os artistas que ainda não mostraram o seu trabalho no Brasil, e outros tantos brasileiros que a região de Sorocaba não conhece. Entre eles, estão: Adela Jusic (Bósnia e Herzegovina), Adrian Melis (Cuba), Afonso Tostes (Brasil), Barbara Wagner (Brasil), Bayrol Jiménez (México), Bruno Kurru (Brasil), Carlos Castro (Colômbia), Carlos Motta (Colômbia/EUA), Chto Delat? (Rússia), Daniel Santiago (Brasil), Marcela Armas (México), Marcelo Moscheta (Brasil), Neha Choksi (Índia), Núria Güell (Espanha), Raquel Stolf (Brasil), Romuald Hazoumé (República do Benim), Sandra Cinto (Brasil), Société Réaliste (França), Tamara Kuselman (Argentina) e Veronica Stigger (Brasil).

EOnline: Na sua opinião, o que a população de Sorocaba pode esperar do Frestas – Trienal de Artes?
JM:
Prefiro esperar que o projeto seja recebido como um convite a todos da cidade e da região a pensarem sobre a arte como uma ferramenta essencial para traduzir assuntos aparentemente improváveis. Um convite a considerar ou ativar as questões que levantamos, pensando, inclusive, na possibilidade de reconfigurá-las. Ela será convidada a desenhar percursos e propostas, deixando-nos traços no mundo, o que é a proposta do Ateliê aberto para a invenção do inexistente com a ideia de desleitura, que o artista Jorge Menna Barreto irá desenvolver ao longo do projeto. Pensar e questionar o mundo a partir das coisas que não existem é considerar que a linguagem e o diálogo podem construir tanto pontes quanto abismos, que elas podem fazer bom uso de mau negócio ou transformar a oportunidade da vida em processo alienatório. O que cabe propor ao público da região é pensar o mundo e as incertezas que povoam a vida contemporânea, integrando, assim, o primeiro no segundo. Por isso, estando em Sorocaba, o que propomos é participar do debate do mundo contemporâneo. Esse é o convite que fazemos ao público local e regional. Convidamos a todos a conviverem com a arte e com os artistas, porque com eles é possível pensar a vida contemporânea a partir do anacrônico e da incoerência, vistos não de maneira pejorativa, senão como potências que problematizam ou lançam o debate sobre o modo como desenhamos valores que se cristalizam em verdades sem fundamentos, podendo se tornar trajetos que, em vez de propiciar liberdade de expressão, engendram situações condicionantes que colocam o sujeito em um emaranhado de problemas que poderiam não apenas ser evitados, mas, sobretudo, eliminados do mapa. Pensar o inexistente como insistência é o convite que fazemos. Por isso, o que se deve esperar do projeto Frestas é menos importante quanto é manter as ideias evocadas pelas obras vivas na mente das pessoas, de Sorocaba e do mundo.  E esperamos que daí algum diálogo seja possível, pois esta é a nossa proposição.