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Classes e pessoas em conflito

Esther Góes ao lado de seu filho, Ariel Borghi, interpreta Volumnia, mãe de Coriolano
Esther Góes ao lado de seu filho, Ariel Borghi, interpreta Volumnia, mãe de Coriolano

No espetáculo Coriolano, até 13/out no Sesc Bom Retiro, a questão social é uma balbúrdia impossível de ordenar

Uma montagem que propõe a discussão contemporânea da república, Coriolano aborda questões políticas e sociais de uma Roma em decadência, século V A.C. Não há heróis neste espetáculo, apenas humanos, nada mais que humanos e a impressão de que William Shakespeare não quer mentir na sua décima e última tragédia.

Coriolano (Ariel Borghi) é um general romano que pode ter existido no século V A.C. e o expoente máximo da coragem diante do perigo. Mas que não tem respeito ou compaixão pelo povo faminto, que deseja mudanças e justiça. Os demais personagens são patrícios (aristocratas rurais), senadores, Volumnia (Esther Góes) mãe de Coriolano, sua esposa e a própria população empobrecida pelas guerras, que afinal obtém sua primeira representação política: os tribunos da plebe. Começa, então, o embate entre patrícios e plebeus. O herói é banido e, ansiando por vingança, junta-se ao inimigo Aufídio para atacar Roma e destruí-la. A mãe e a mulher o procuram no acampamento inimigo e obtêm a paz que nenhuma espada da Itália havia conseguido.

A EOnline conversou com Esther Góes, diretora do espetáculo, que falou sobre a adaptação da obra para o teatro, os personagens e o trabalho ao lado de seu filho. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

EOnline: O que a levou à escolha desta tragédia de W. Shakespeare para produzir o espetáculo?
Esther Góes: Foi uma escolha  nossa, minha e do Ariel, que levou em consideração a atualidade das questões apresentadas pela peça, e a possibilidade de atuarmos juntos  numa obra de tal envergadura.

EOnline: Como é atuar em um espetáculo ao lado de seu filho, Ariel Borghi?
E. G.: Temos  afinidades artísticas, raramente discordamos em termos de criação, além de um grande respeito pelo ponto de vista do outro. Além disso, temos a vantagem da franqueza e da cumplicidade, o que nos dá segurança para ousar e prosseguir.

EOnline: Vocês já atuaram juntos antes?
E. G.: Em "Determinadas Pessoas - Weigel" criamos o roteiro a quatro mãos, eu interpretei a personagem e Ariel dirigiu. Em "A Coleção", de Harold Pinter", Ariel estava no elenco e eu dirigi o espetáculo. Antes destes já dirigimos juntos a "Hécuba", de Eurípedes, em que eu fazia a Hécuba. E outras experiências anteriores. Mas é importante sublinhar que fizemos juntos a adaptação de Coriolano, com tradução do Fernando Nuno. Nosso trabalho, meu e do Ariel, sempre se baseia numa opção e pesquisa de autores e de ideias.

EOnline: Como foi a adaptação da tragédia para o espetáculo?
E. G.: Foi um mergulho muito prazeroso no texto e nas ideias de William Shakespeare. Procuramos criar uma estrutura direta e enxuta da peça, para que o espectador possa entender e reconhecer o que está sendo dito no palco. Este maravilhoso texto, criado a partir do relato de Plutarco, coloca o espectador na posição de não identificação plena com nenhum dos personagens, mas de avaliação de todos e do conjunto dos acontecimentos. Ele é juiz da situação e avalia a si mesmo enquanto cada personagem se revela. Acho que é para isso mesmo que o teatro existe.

EOnline: Este cenário voltado para Roma no século V A.C. tem proximidade com a realidade?
E. G.: O cenário do Fernando Brettas se apoia nas estruturas arcaicas (em arco) das construções romanas da época, na sua cor, assim como no ambiente de guerra entre Roma e seus vizinhos volscos. É como se essa estrutura estivesse pousada em cena, entre o real e a imagem do que foi este "real". Um belíssimo e refinado trabalho do Brettas.

EOnline: Quais são as principais características dos personagens?
E. G.: Fica difícil descrever a todos, são pelo menos doze. Temos os romanos e temos os volscos. Coriolano é o personagem central, é um general romano de grandes qualidades como guerreiro e de personalidade honesta, mas que pertence a uma  sociedade em que os patrícios (aristocratas rurais) dominavam econômica e politicamente a população, muito pobre, e em que a escravidão era comum, até por dívidas. A classe dominante desprezava os mais pobres como inferiores. Coriolano era um dos que mais a desprezava.

Todos os patrícios:  Menênio Agripa, o General Comínio, a mãe de Coriolano, Volumnia e sua mulher, Virgília, praticam a mesma arrogância de uma classe que se percebe como superior. Mas o povo tem agora dois representantes: os tribunos da plebe recém-eleitos, Sicínio e Bruto. Eles, no entanto, rapidamente se encaminham para o  seu próprio poder.

Os plebeus oscilam entre a revolta e a subserviência. Na verdade, o painel pessoal e emocional dos personagens está estreitamente ligado à sua posição na ordem social. Além deles, temos Aufídio, general volsco, inimigo dos romanos e rival de Coriolano, como guerreiro. E os soldados volscos, do exército de Aufídio.

EOnline: Você se identifica de alguma forma com a personalidade de Volumnia?
E. G.: Às vezes, pelo menos ela não é de esperar que os outros façam por ela o que ela mesma pode fazer. Mas não me identifico com a arrogância da classe abastada, nem com a flexibilidade dos valores a serviço dos mais ricos. No entanto ela se humaniza quando esse mundo patrício desigual leva todos à ruína. Ela consegue voltar atrás. Gosto disso nela, quem dava ordens também pode se arrastar.

EOnline: Qual reflexão o espetáculo pretende causar no público?
E. G.: A primeira delas é de que no decorrer dos séculos não conseguimos criar nada diferente da desigualdade, da arrogância e da corrupção. Quem cria a sociedade é o homem, ela é o reflexo do que ele é e do que de fato deseja.

o que: Coriolano
quando:

Até 13 de outubro. Sextas às 20h, sábados às 19h e domingos às 18h.

onde:

Sesc Bom Retiro

ingressos:

consulte a programação

 

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