Postado em 24/09/2013
No espetáculo Coriolano, até 13/out no Sesc Bom Retiro, a questão social é uma balbúrdia impossível de ordenar
Uma montagem que propõe a discussão contemporânea da república, Coriolano aborda questões políticas e sociais de uma Roma em decadência, século V A.C. Não há heróis neste espetáculo, apenas humanos, nada mais que humanos e a impressão de que William Shakespeare não quer mentir na sua décima e última tragédia.
Coriolano (Ariel Borghi) é um general romano que pode ter existido no século V A.C. e o expoente máximo da coragem diante do perigo. Mas que não tem respeito ou compaixão pelo povo faminto, que deseja mudanças e justiça. Os demais personagens são patrícios (aristocratas rurais), senadores, Volumnia (Esther Góes) mãe de Coriolano, sua esposa e a própria população empobrecida pelas guerras, que afinal obtém sua primeira representação política: os tribunos da plebe. Começa, então, o embate entre patrícios e plebeus. O herói é banido e, ansiando por vingança, junta-se ao inimigo Aufídio para atacar Roma e destruí-la. A mãe e a mulher o procuram no acampamento inimigo e obtêm a paz que nenhuma espada da Itália havia conseguido.
A EOnline conversou com Esther Góes, diretora do espetáculo, que falou sobre a adaptação da obra para o teatro, os personagens e o trabalho ao lado de seu filho. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
EOnline: O que a levou à escolha desta tragédia de W. Shakespeare para produzir o espetáculo?
Esther Góes: Foi uma escolha nossa, minha e do Ariel, que levou em consideração a atualidade das questões apresentadas pela peça, e a possibilidade de atuarmos juntos numa obra de tal envergadura.
EOnline: Como é atuar em um espetáculo ao lado de seu filho, Ariel Borghi?
E. G.: Temos afinidades artísticas, raramente discordamos em termos de criação, além de um grande respeito pelo ponto de vista do outro. Além disso, temos a vantagem da franqueza e da cumplicidade, o que nos dá segurança para ousar e prosseguir.
EOnline: Vocês já atuaram juntos antes?
E. G.: Em "Determinadas Pessoas - Weigel" criamos o roteiro a quatro mãos, eu interpretei a personagem e Ariel dirigiu. Em "A Coleção", de Harold Pinter", Ariel estava no elenco e eu dirigi o espetáculo. Antes destes já dirigimos juntos a "Hécuba", de Eurípedes, em que eu fazia a Hécuba. E outras experiências anteriores. Mas é importante sublinhar que fizemos juntos a adaptação de Coriolano, com tradução do Fernando Nuno. Nosso trabalho, meu e do Ariel, sempre se baseia numa opção e pesquisa de autores e de ideias.
EOnline: Como foi a adaptação da tragédia para o espetáculo?
E. G.: Foi um mergulho muito prazeroso no texto e nas ideias de William Shakespeare. Procuramos criar uma estrutura direta e enxuta da peça, para que o espectador possa entender e reconhecer o que está sendo dito no palco. Este maravilhoso texto, criado a partir do relato de Plutarco, coloca o espectador na posição de não identificação plena com nenhum dos personagens, mas de avaliação de todos e do conjunto dos acontecimentos. Ele é juiz da situação e avalia a si mesmo enquanto cada personagem se revela. Acho que é para isso mesmo que o teatro existe.
EOnline: Este cenário voltado para Roma no século V A.C. tem proximidade com a realidade?
E. G.: O cenário do Fernando Brettas se apoia nas estruturas arcaicas (em arco) das construções romanas da época, na sua cor, assim como no ambiente de guerra entre Roma e seus vizinhos volscos. É como se essa estrutura estivesse pousada em cena, entre o real e a imagem do que foi este "real". Um belíssimo e refinado trabalho do Brettas.
EOnline: Quais são as principais características dos personagens?
E. G.: Fica difícil descrever a todos, são pelo menos doze. Temos os romanos e temos os volscos. Coriolano é o personagem central, é um general romano de grandes qualidades como guerreiro e de personalidade honesta, mas que pertence a uma sociedade em que os patrícios (aristocratas rurais) dominavam econômica e politicamente a população, muito pobre, e em que a escravidão era comum, até por dívidas. A classe dominante desprezava os mais pobres como inferiores. Coriolano era um dos que mais a desprezava.
Todos os patrícios: Menênio Agripa, o General Comínio, a mãe de Coriolano, Volumnia e sua mulher, Virgília, praticam a mesma arrogância de uma classe que se percebe como superior. Mas o povo tem agora dois representantes: os tribunos da plebe recém-eleitos, Sicínio e Bruto. Eles, no entanto, rapidamente se encaminham para o seu próprio poder.
Os plebeus oscilam entre a revolta e a subserviência. Na verdade, o painel pessoal e emocional dos personagens está estreitamente ligado à sua posição na ordem social. Além deles, temos Aufídio, general volsco, inimigo dos romanos e rival de Coriolano, como guerreiro. E os soldados volscos, do exército de Aufídio.
EOnline: Você se identifica de alguma forma com a personalidade de Volumnia?
E. G.: Às vezes, pelo menos ela não é de esperar que os outros façam por ela o que ela mesma pode fazer. Mas não me identifico com a arrogância da classe abastada, nem com a flexibilidade dos valores a serviço dos mais ricos. No entanto ela se humaniza quando esse mundo patrício desigual leva todos à ruína. Ela consegue voltar atrás. Gosto disso nela, quem dava ordens também pode se arrastar.
EOnline: Qual reflexão o espetáculo pretende causar no público?
E. G.: A primeira delas é de que no decorrer dos séculos não conseguimos criar nada diferente da desigualdade, da arrogância e da corrupção. Quem cria a sociedade é o homem, ela é o reflexo do que ele é e do que de fato deseja.
o que: | Coriolano |
quando: |
Até 13 de outubro. Sextas às 20h, sábados às 19h e domingos às 18h. |
onde: | |
ingressos: |