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Para ler quando pudermos sujar os pés na rua novamente

Encontro 4. O último. O fim é o começo?

Às dezoito e cinquenta, alguns de nós já estávamos em frente às telas, à espera. Nosso quarto e último encontro estava marcado para acontecer das dezenove às vinte e uma horas. Ciclo breve, denso e cheio de sensações mistas às quais tentamos dar conta em oito horas espaçadas ao longo de dois meses. À nossa maneira, que também tentamos descobrir qual era, juntes.

Em meio a uma avalanche de compromissos, afazeres cotidianos, reuniões online e tudo o mais daquilo que tem engolido nosso tempo através das telas, em nossas próprias casas, conseguimos fazer o pacto de encontrar uma brecha para criar coletivamente. Uma pequena revolução talvez, ainda que isso possa soar demasiado romântico ou ingênuo. A parte que cabia ao Núcleo de Experimentos em Dramaturgia neste pacto era a escrita de um texto. Buscamos transpor em palavras toda a potência poética que o coletivo depositou por meio de seus corpos-vídeo e vozes-áudio ao longo destes encontros. Isso não é uma guerra, mas parece. Não é o fim do mundo, mas às vezes parece. Na dúvida, passamos oito horas metralhando poesia, palavra, música, dança, teatro e silêncio.

Um texto, então, foi parido.

No encontro três, o texto foi divido em partes e cada pessoa tornou-se responsável por experimentar uma delas ao vivo, numa espécie de improviso surpresa. Pouco tempo para extrair uma cena e lançá-la na câmera via Zoom, com aquilo que há ao seu redor, sem grandes construções ou pré-julgamentos artísticos.

Para o encontro quatro, o último, cada pessoa teria tempo para pensar e elaborar uma cena sobre sua parte do texto. Uma série de vídeos-cenas foram produzidos e então iniciamos nosso encontro final apresentando-as em sequência: nosso grande espetáculo virtual. Plateia vazia. Nossa coxia é o desligar de câmeras e microfones.

Cada vídeo-cena revelava um ponto de vista muito particular, individual, mas cheio de intenção de se fundir ao todo. A distância e falta de generosidade do tempo não foram impedimentos para que encontrássemos uma forma de contar uma história única. Nesta história, as personagens e imagens narradas são representações daquilo que tentamos elucidar até aqui:

Uma escafandrista mergulhada em seu apartamento, a janela emperrada, um ipê amarelo que sente dor no processo de floração, um menino sereia de pés sujos, a sirene que não toca mais para acordar a cidade e o tempo, sempre o tempo, senhor de todas as coisas e para o qual oferecemos toda nossa poesia.

Vídeos-cenas, produzidos tão artesanalmente quanto apenas o encontro entre teatro e tecnologia poderia produzir. Ao fundo dos áudios podemos escutar os ruídos cotidianos das casas de cada um e cada uma. Tentamos falar, dizer aquilo que precisa ser dito, mas estamos todes mergulhades, assim como a escafandrista.

Nossas vozes ecoam debaixo d'água de dentro ou debaixo da cidade que retoma seu caos do lado de fora da janela?

A janela foi personagem ou cenário de muitas das cenas apresentadas. Mais uma vez tentamos dizer, na esperança de que a voz alcance as ruas. Os vídeos-cenas ainda não compõem um espetáculo, mas, sim, um ensaio. Nossos pés ensaiam o dia em que poderão se sujar nas ruas sem medo novamente, eles ensaiam o dia em que nos reencontraremos. Ensaios sobre as tantas dúvidas, angústias e esperanças que regem o momento presente.

Depois deste grande ensaio para o amanhã apresentado via Zoom, ao qual realizamos e contemplamos simultaneamente, os próximos passos tinham de ser planejados e definidos pelo coletivo.

Eis que chega o momento das conclusões e encaminhamentos de qualquer projeto. Nosso pacto inicial é a construção de uma cápsula do tempo, a qual pretendemos revisitar em um futuro ainda desconhecido. E o que deixamos gravado para este futuro, então? No futuro, o que significará um grupo de artistas de teatro que se encontrou para construir uma cápsula do tempo durante dois meses no ano de dois mil e vinte?

Relembro aqui algo que foi dito por um participante do ateliê:

 

eu não deixo o tempo me devorar.

 

Quando pausamos o tempo para dançar, cantar, escrever e ser poesia: ele não nos devora. Estivemos resistindo, à nossa maneira.

Re-existindo.

Pelo menos essa é a busca.

 

Denise Hyginio
NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia

 

 

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ATELIÊ COLETIVO ONLINE: RELATOS

O texto que você acaba de ler integra a programação do projeto Cenas Centrífugas: Entreato do Sesc Santo André.

Enquanto a segunda edição do projeto Cenas Centrífugas permanece suspensa por conta da pandemia causada pela Covid-19, os grupos convidados se encontram para refletir sobre o teatro no contexto atual e para experimentar possibilidades do fazer teatral no meio digital.

Por meio de relatos textuais, o NED (Núcleo de Experimentos em Dramaturgia) apresenta para o público perspectivas sobre a experiência de realização do Ateliê Coletivo Online. Ao longo dos dois meses de encontros, o Núcleo, que orientará a Cia. do Flores, a Cia. do Tijolo e o Coletivo MENELÃO, produzirá semanalmente um relato sobre essa aventura cênica no campo digital.